“Já tive crise de ansiedade na escola por falta de materiais pedagógicos”, diz professora

Estresse, falta de estrutura e desvalorização marcam o cenário da educação.

Autora: Ana Popazogo*
Editora: Prof. Larissa Bezerra

Segundo uma pesquisa realizada pelo Ipec em 2023, 71% dos professores estão estressados devido à sobrecarga de trabalho. Os dados do Censo Escolar do Ministério da Educação mostram como a falta de estrutura, materiais e professores dificultam as atividades pedagógicas. Um levantamento do Instituto Península do ano de 2021 aponta que 49% dos professores da educação básica no Brasil estão desmotivados, 55% sobrecarregados, 46% cansados e 47% ansiosos.

Fonte: a autora

Segundo o levantamento do Instituto Casagrande, feito com 5.000 docentes, apurou que 61,2% dos professores acreditam que a educação pública irá piorar nos próximos 10 anos, 25,6% acreditam que a educação vai melhorar e 9,2% afirmam que não haverá mudanças significativas.

Neste contexto, conversamos com Daniela Mendes, professora de português da rede municipal há 19 anos, que compartilhou suas experiências nas escolas públicas.

Daniela é bacharel e licenciada em Letras pela USP, com licenciatura plena em Pedagogia pela Unicid, pós-graduada em Literatura brasileira pela Faculdade Campos Elíseos. Foi efetiva de cargo estadual no estado de São Paulo 20 anos, coordenadora pedagógica, vice-diretora e diretora designada no Estado de São Paulo.

Professora Daniela Mendes em sala de aula. Fonte: arquivo pessoal

O que motivou sua escolha de cursar licenciatura em letras?

Eu sempre amei Literatura e o poder da Língua Portuguesa. Desejava escrever, mas ao mesmo tempo tinha paixão pelo Direito. Foi uma escolha difícil, mas no final pesou a nota de corte do vestibular da USP. Como aluna de escola pública sabia que tinha defasagens a enfrentar, acabei por optar por Letras que possuía uma nota de corte menor e também era uma paixão. Pensava em ser revisora de editoras e jornais. Trabalhar em meio ao jornalismo e à Literatura.

Qual era a realidade das escolas públicas quando você era aluna?

Ingressei em escola pública aos 6 anos, em 1980 e completei o secundário, hoje Ensino Médio, em 1991. A escola pública sempre teve problemas de infraestrutura e falta de valorização do magistério, mas era uma época em que os jovens tinham propósito e desejo de uma vida melhor e todos sabiam que só a educação poderia proporcionar estes propósitos. Portanto, fazíamos da escola pública um lugar de qualidade. Valorizávamos o que nos era ofertado, o conhecimento e a possibilidade de crescimento pessoal e intelectual. Respeitávamos regras e professores. O sistema não era democrático, excluía muitas vezes os que tinham maior dificuldade, mas ainda assim eram direcionados a cursos técnicos e não saíam sem profissão, se houvesse o interesse por uma profissão.

Qual é a realidade das escolas atualmente?

A realidade das escolas públicas é de abandono físico e intelectual, com políticas públicas que não estão interessadas no real desenvolvimento do estudante, e sim em formas de desviar verbas e oferecer propaganda à população. Nos vídeos e imagens divulgados estamos num mundo fantástico, na realidade, falta de valorização salarial, falta de materiais pedagógicos eficientes, prédios em ruínas, falta de vontade do estudante extremamente absorvido pela tecnologia, falta de apoio das famílias, pais e estudantes violentos. O professor sofre violência de todos os lados, física e psicológica. A escola se tornou um local superficial, pois o desenvolvimento intelectual não é prioridade, e sim o bem-estar pessoal de cada estudante. Isso transforma a escola em um ambiente desconectado da realidade científica de tentativa, erro, acerto e desenvolvimento. O erro não é encarado como parte do processo de aprendizado e evolução, mas como frustração para um indivíduo que não compreende o valor dessa frustração na busca pelo acerto. Assim, o professor passa a ser visto como o culpado pelo fracasso, enquanto os demais fatores que interferem na vida do estudante deixam de ser considerados. Desde violência familiar, fome, falta de interesse.

Quais são os seus maiores desafios sendo professora de escola pública?

O maior desafio é ensinar alguém que não quer aprender, que não aceita o erro como uma evolução no seu percurso acadêmico. Enfrentar a violência psicológica por parte de estudantes, pais, políticas educacionais pensadas por quem não entende de educação, e gestores malformados e politicamente colocados em cargos de chefia.

A infraestrutura das escolas onde você lecionou são adequadas?

Infraestrutura à beira do caos, prédios sem manutenção adequada e “maquiados” com pintura para parecer efetivo, mas a realidade são zero de acessibilidade, banheiros quebrados, fiação elétrica à beira do incêndio etc.

Como foi sua experiência como coordenadora, vice-diretora e diretora?

Minha experiência pessoal nestes cargos foi sempre de crescimento, pois em cada um deles cresci profissionalmente e passei a ter novos olhares sobre a profissão. Como coordenadora pedagógica, o desafio foi grande, principalmente porque as gestoras não estavam interessadas em desenvolvimento real, mas sim em índices e picuinhas pessoais. Minha relação com os professores era de parceria e estímulo. Os estudantes, na época, foram os que mais se inscreveram para a CUCO, competição pré-vestibular da USP. Foi um trabalho fantástico de valorização da educação, promovido em parceria com os professores. Como vice-diretora, atuei mais na parte burocrática, já que as duas últimas diretoras eram ineficientes em desfazimento de materiais antigos. Fui eficiente em eliminar quatro toneladas de livros defasados e mobiliário velho. Trabalhei na restauração de banheiros, nova sala dos professores, sala de recursos pedagógicos para estudantes PCD e salas limpas. Com essas ações, conquistei a designação para a direção. O desafio foi maior, mas encarei com alegria e desejo de fazer o melhor. Com apoio de professores, gestores e funcionários, reduzi os índices de violência e evasão. Trabalhei a conscientização sobre o cuidado com o espaço público, promovi ações pedagógicas inovadoras, valorização da pedagogia presencial, protagonismo juvenil, ações do Grêmio Estudantil, palestras e apoio eficaz a estudantes e pais em suas demandas.

O que mais contribui para a desmotivação dos professores, na sua opinião?

Violência psicológica e iminência de violência física, ataques pessoais, baixos salários, falta de um convênio médico, cargos políticos na gestão, não valorização profissional na forma de evolução na carreira.

Em algum momento você já pensou em desistir da carreira?

Já pensei em desistir muitas vezes. Quando sofri assédio de gestores malformados e politicamente mantidos em cargos de gestão. Quando fui atacada por estudantes, quando recebo o salário e as contas não fecham.

Você já sentiu impactos na sua saúde física e mental, devido às dificuldades da profissão?

Sim. Os impactos emocionais e físicos foram muito grandes em minha vida. Fisicamente cheguei a pesar 150 kg. Ansiedade e depressão pela angústia da precarização do ensino contribuíram para isto. Fiquei afastada por psiquiatra por dois meses quando sofri assédio de uma gestora de escola que simplesmente “não gostava das minhas opiniões” e não era democrática na gestão escolar. Já tive crise de ansiedade na escola por falta de materiais pedagógicos e já chorei por muitas noites em casa após ataques de estudante e pais.

*Meu nome é Ana, moro em Itanhaém (SP) e atualmente estou no quinto semestre do curso de Jornalismo. Escolhi essa profissão por acreditar no papel essencial que o jornalismo desempenha na construção de uma sociedade mais informada, crítica e justa. Sempre fui apaixonada por consumir conteúdos jornalísticos, ainda quando era criança me encantei com reportagens e coberturas que impactaram a minha vida. Um dos grandes incentivos para minha escolha profissional foi o trabalho do jornalista Caco Barcellos, cuja dedicação e compromisso com a verdade sempre me inspiraram profundamente.

2 thoughts on ““Já tive crise de ansiedade na escola por falta de materiais pedagógicos”, diz professora

  1. Maravilhosa matéria colocou de forma clara o quadro que temos hoje em nossa educação acredito que este quadro poderia ser revertido mas creio que não há interesse nenhum das camadas responsáveis por esta mudança em dar o mínimo de condições salariais justas para estes heróis que são os professores nem o mínimo de respeito com a base que são as crianças dando uma boa infraestrutura para ter pelo menos um lugar seguro para aprender sem isso é sem uma remuneração justa este quadro não mudará

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