Dois anos após o fim pandemia, ainda são muitos os traumas e problemas causados.
Autor: Lucas Aguiar
Editora: Prof. Larissa Bezerra
A saúde mental é um dos temas mais discutidos nos tempos atuais e, em momentos delicados como vivemos durante a pandemia de Covid-19, o cuidado com este assunto se torna cada vez mais fundamental, tanto na esfera pessoal quanto na profissional. Principalmente com aqueles que estiveram na chamada linha de frente, como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e profissionais da saúde de um modo geral, que foram fundamentais no período pandêmico e viveram situações e experiências traumáticas em suas atividades laborais.
De acordo com um estudo da Universidade Federal de São Carlos, houve muitos casos de exaustão e estresse entre profissionais de saúde de todo o país, além de má qualidade de sono, sintomas depressivos e dores pelo corpo. Na pesquisa, foram ouvidos 125 profissionais da rede pública, que responderam a questionários online ao longo de 2021 e 2022. Os resultados mostram que 86% deles sofrem ou sofreram de burnout, um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico, resultado de situações de trabalho desgastantes.
Ainda dentro desta pesquisa, 75% dos entrevistados avaliaram negativamente as demandas emocionais ligadas ao trabalho, 61% criticaram o ritmo do serviço e 47% reprovaram a sua imprevisibilidade.
Dados relacionados a comportamentos ofensivos também chamaram a atenção dos coordenadores do estudo: 15% dos profissionais relataram terem sido afetados por atenção sexual indesejada, 26% foram ameaçados, 9% sofreram violência física e 17% reportaram bullying.
Mesmo após o fim da pandemia, que vitimizou cerca de 712.349 pessoas no Brasil, os profissionais da saúde continuaram sofrendo com a necessidade de lidar com questões relacionadas ao seu bem-estar mental, como nos relata a fisioterapeuta Gabriela Abreu Medeiros Aguiar, que trabalhou durante o auge das infecções no período pandêmico em duas instituições de saúde na cidade de Guaratinguetá-SP.
A fisioterapeuta contou inúmeras situações de desgaste e stress diários tanto na parte mental quantos física, como por exemplo a falta de profissionais em virtude da grande quantidade de enfermos. “Posso te relatar que nunca na minha vida tinha me sentido tão exausta, tanto física quanto psicologicamente. Como a demanda de pacientes era muito maior que a de fisioterapeutas, eu passava praticamente todos os dias dentro da UTI, chegando a realizar plantões de 36 horas”.
Além disso, outra dificuldade era o apego emocional que se criava entre Gabriela e seus pacientes, trazendo ainda mais pressão em uma profissional recém-formada que foi obrigada a tomar decisões profissionais e pessoais dentro da UTI. “Quando um paciente entrava para o atendimento, não se sabia se o mesmo voltaria ou não. Aqueles que morriam, o caixão era lacrado e a família não poderia nem ver aquele rosto uma última vez. E, infelizmente, era o que acontecia na maioria das vezes. Eu lembro de olhar pela janela do estacionamento do hospital e ver inúmeras pessoas ajoelhadas e em frequente choro e oração por seus familiares. Era de uma carga emocional muito pesada e diária.”
Cuidados com a saúde mental
De forma geral, a saúde mental é frequentemente menosprezada pelas pessoas, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional. Ela só começa a ser considerada preocupante quando apresenta sintomas mais claros e evidentes, como afirma o médico psiquiatra Wilson Cruz Alves. “A saúde mental é tão importante ou até mais que a física, porém, a maioria dos pacientes não dá a mesma importância, muito porque os sintomas não são tão aparentes como uma gripe, por exemplo. Mas da mesma forma que um vírus, se não tratado, evolui pra algo mais sério”, explica.
Ao tratarmos deste tema com a Gabriela, a fisioterapeuta afirmou não ter feito nenhum tipo de acompanhamento durante a pandemia, e mesmo após o pico, não buscou qualquer tipo de ajuda profissional para entender melhor o que todas as situações vividas e como elas podem ter sido prejudiciais à sua saúde mental.
Nos dias de maior dificuldade a fisioterapeuta relata que recorria a seus familiares para desabafar e confidenciar as situações que foram vividas dentro dos hospitais onde ela trabalhava, porque nos locais onde trabalhou não foi oferecida qualquer tipo de ajuda ou acompanhamento.
Sobre a pandemia e, especificamente, sobre esses profissionais, Wilson Alves afirma que, juntamente com colegas psiquiatras, realizou atendimentos durante e após o fim da pandemia. Os sintomas apresentados se repetiam: dificuldades em voltar ao trabalho e até mesmo em retomar a convivência com familiares. Em todos os casos, essas procuras por atendimento ocorreram de forma independente, sem qualquer financiamento ou indicação por parte de empresas ou empregadores.