Uma análise da minissérie que desafia categorias tradicionais e aprofunda as relações afetivas ao redor da investigação de um crime juvenil.
Autor: Reginaldo Calegari*
Editora: Prof. Larissa Bezerra
Lançada em março de 2025, Adolescência, minissérie britânica da Netflix, é composta por quatro episódios, todos filmados em planos-sequência, que criam uma sensação de imersão e tensão contínua, aumentando o desconforto do espectador. A produção mergulha em um drama que se constrói menos sobre a culpa do protagonista e mais sobre as consequências dos seus atos com as pessoas ao seu redor. Dirigida por Philip Barantini (Boiling Point) e coescrita por Jack Thorne, a obra se tornou rapidamente um fenômeno global, liderando as audiências em 71 países, segundo o levantamento de Anahi Martinho, do site F5, do portal UOL.
No centro da trama está Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de assassinar brutalmente uma colega da escola. Mas este não é um suspense policial, tampouco um estudo psicológico individualizado. Adolescência investiga o entorno. Famílias, educadores, colegas, redes sociais e códigos de comunicação silenciosa formam o fio condutor invisível de uma história sobre omissão, desconexão e falência emocional. As cenas são exibidas com foco no silêncio entre pais e filhos, nos olhares perdidos de professores sem autoridade, e até no desconforto de um inspetor de polícia que não percebe o bullying sofrido pelo próprio filho.
Filmada por Matthew Lewis, a fotografia aumenta ainda mais a tensão e elimina a possibilidade de distanciamento emocional. Não há cortes que aliviem, nem trilhas grandiosas que distraiam. Apenas diálogos secos, câmeras que seguem os personagens como se estivessem trancados com eles em um corredor sem saída.
A masculinidade mostrada como casulo de autoproteção
Jamie é franzino, sensível e aparentemente inofensivo. Sua fragilidade inicial — expressa, por exemplo, na cena em que urina nas calças durante a prisão — contrasta com a gravidade do ato que é acusado de cometer. Essa construção intencional do roteiro desestabiliza as categorias usuais de culpado e vítima.
Um dos eixos mais poderosos da minissérie está na crítica à masculinidade tóxica e à repressão emocional. Jamie é forçado pelo pai a cumprir um roteiro viril — futebol, lutas, insensibilidade — ignorando uma possível vocação artística. O que poderia ser apenas um conflito geracional se revela como um espelho de dinâmicas profundas, repetidas inconscientemente por gerações. É nesse terreno que Jamie se reconhece — não mostrado como autor de um crime, mas como resultado de uma rede de abandono afetivo.

A escola sem poder educacional
Mais do que cenário, a escola em Adolescência é um campo minado. Celulares em sala, ideologias extremistas replicadas por jovens, professores desacreditados e figuras femininas humilhadas em público. Não há diálogo. A ausência de vínculos pedagógicos fortalece o que a minissérie denuncia: um conflito silencioso e constante entre adultos e adolescentes, onde o grito não é ouvido e o silêncio, muitas vezes, pode ser um pedido de socorro.
Adolescência toca também em temas urgentes que refletem desafios reais enfrentados por jovens atualmente, como a exposição íntima, o consumo precoce e distorcido de pornografia e a dificuldade de construção afetiva entre jovens. Em vez de relações mediadas pelo afeto e pelo consentimento, a referência passa a ser vídeos que naturalizam dominação e humilhação.
Esse abismo entre o que os adolescentes consomem e o que vivem gera rupturas psíquicas e afetivas que a série apresenta com honestidade rara — sem moralismos, sem simplificações. Uma das provocações mais corajosas da série é sobre o que é tolerado em nome da liberdade individual. Isolamento, raiva extrema, discursos violentos e comportamentos hostis são vistos como “fases”, “coisas da idade” — até que explodem.
Pais, mães e a dor que não tem nome
A minissérie trata também da dor de quem fica. O carro vandalizado, o julgamento público e a vergonha que acompanha os pais de Jamie mostram que não há saída fácil. Em uma das cenas finais, há um diálogo importante dos progenitores, que evidencia uma das mensagens da produção: eles se perguntam em que momento deixaram de conhecer o filho. A resposta nunca vem — porque talvez não exista. Pais também adoecem e sofrem. E, muitas vezes, também foram crianças silenciadas. A dor deles, porém, é frequentemente ignorada por uma sociedade que cobra responsabilidade, mas não oferece apoio.
No final da minissérie, a canção Through the Eyes of a Child se mistura com imagens de uma infância que não será vivida, sendo cantada pela própria atriz que interpreta a vítima nessa obra. Traduzida literalmente como “Através dos Olhos de Uma Criança”, a melodia funciona como metáfora para o que se perdeu: não apenas uma vida, mas a possibilidade de vê-la crescer.
Concluindo, com apenas quatro episódios, Adolescência se consolida com um enredo que evita as respostas fáceis e clichês, desafiando o público a pensar sobre as falhas de uma sociedade que silencia afetos, ignora sinais e romantiza a brutalidade como parte do crescimento. Ao abandonar o foco na figura do culpado, a produção explora um retrato humano das consequências emocionais que se espalham e, mais do que provocar, convida a ouvir, antes que seja tarde.

* Reginaldo Calegari é graduado em Sistemas de Informação pela Uniesp, e em Letras pela Unifran. Especialista em Gerência de Projetos de T.I. pelo INPG, e em Tecnologia na Educação pela Unifran. Graduando em Jornalismo pela Unicesumar, e Administração pela Univesp. Experiência com Redação para mídia online há 8 anos.