Grandes obras como “Um Defeito de Cor” e “Os Miseráveis” carregam reflexões importantes, mas a extensão impede que essas mensagens cheguem a mais pessoas; como modificar esse cenário?
Autor: Reginaldo Calegari*
Editora: Prof. Larissa Bezerra
Existe uma ideia no mundo literário de que livros extensos são sinônimo de qualidade e, quanto mais páginas, há mais conteúdo e é mais valioso. Depois de enfrentar alguns dos maiores calhamaços da literatura, cheguei a uma conclusão polêmica: alguns livros seriam melhores se fossem menores.
“Os Miseráveis”, de Victor Hugo, é um clássico exemplo. Ninguém nega que é uma obra-prima sobre redenção, justiça e amor. A história de Jean Valjean emociona, os personagens ficam na memória, a mensagem é poderosa. Mas aí você chega naqueles capítulos intermináveis sobre os esgotos de Paris, com descrições técnicas e históricas que parecem não ter fim. Você pode se autossabotar pulando páginas, e sentindo uma culpa literária por não estar absorvendo cada “palavra sagrada” do autor.
O mesmo acontece com “Uma Vida Pequena”, de Hanya Yanagihara. O livro conta a história de Jude e seus amigos, explorando traumas profundos e a complexidade das relações humanas. A mensagem sobre amizade, dor e superação é potente. Mas há momentos em que a repetição de cenas angustiantes e descrições detalhadas de sofrimento se estendem tanto que alguns leitores simplesmente não conseguem continuar. A intensidade constante, sem respiro, acaba afastando justamente quem poderia se beneficiar da reflexão que o livro propõe.
Já “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves, traz a trajetória épica de Kehinde, uma mulher africana escravizada que atravessa continentes e décadas. É uma obra fundamental para entender a história afro-brasileira, cheia de vivências ricas e personagens marcantes. Porém, em suas mais de 900 páginas, há passagens excessivamente detalhadas sobre contextos históricos e descrições de eventos que, embora interessantes, acabam travando o ritmo da narrativa principal. O leitor se perde entre tantas informações e pode desanimar antes de chegar às partes mais impactantes da jornada da protagonista.

O preço da monotonia
O problema não é a extensão em si. É quando a extensão vem acompanhada de monotonia. Trechos que não acrescentam muito à trama, descrições excessivas, divagações que parecem estar ali só para encher páginas. O resultado? Muita gente desiste no meio do caminho ou termina a leitura dizendo que o livro é chato.
E aqui está o ponto crucial: essas pessoas não estão erradas. Elas não são leitoras ruins ou despreparadas. Elas simplesmente não tiveram paciência para vasculhar centenas de páginas em busca das reais mensagens escondidas entre parágrafos dispensáveis.
Pior ainda: quando alguém abandona um livro como “Os Miseráveis”, acaba perdendo uma mensagem linda sobre humanidade e redenção. Não porque a história seja ruim, mas porque ela está enterrada sob camadas e camadas de texto que poderiam, sim, ser cortadas sem prejuízo algum.
A defesa do essencial
Existe uma habilidade literária que é tão importante quanto escrever bem: saber cortar. Saber reconhecer o que é essencial e o que é excesso. Alguns dos melhores livros da história são concisos e diretos. “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, tem pouco mais de cem páginas e é perfeito do jeito que é. Outro exemplo é “Pedro Páramo”, de Juan Rulfo. Cada palavra nessa obra precisa estar ali, não havendo uma construção que seja desnecessária.
Não estou dizendo que todo livro precisa ser curto. Há histórias que demandam fôlego, que precisam de espaço para respirar. “Cem Anos de Solidão” tem mais volume, mas cada página importa. “Grande Sertão: Veredas” é denso, mas a obra consiste em ser intensa. A questão é: quando o tamanho serve à história e quando a história está sendo sacrificada pelo tamanho?

Uma questão de ritmo
A verdade é que nem todo leitor tem o mesmo fôlego ou disponibilidade. Alguns conseguem mergulhar em obras extensas sem problema, outros preferem narrativas mais diretas. E não há nada de errado com nenhum dos dois perfis. O problema surge quando um livro poderia alcançar muito mais pessoas se fosse um pouco mais equilibrado no ritmo.
Pense assim: quantas conversas incríveis sobre “Os Miseráveis” deixaram de acontecer porque alguém desistiu no capítulo dos esgotos? Quantos leitores adorariam a mensagem de “Um Defeito de Cor”, porém, não chegaram até ela? Não se trata de dizer que os autores erraram, mas de reconhecer que nem sempre mais páginas significam mais impacto.
Grandes escritores constroem universos ricos, e às vezes eles mesmos se apaixonam tanto por esses mundos que querem mostrar cada detalhe. É compreensível. Mas entre o autor e o leitor existe uma ponte, e essa ponte funciona melhor quando há um equilíbrio entre profundidade e fluidez.
Talvez seja hora de começarmos a valorizar não só a capacidade de criar mundos em mil páginas, mas também a coragem de os condensar em trezentas ou até quatrocentas. Porque no final, o que fica na memória do leitor não é o peso do livro na estante, mas a força da história que ele carrega.
Como driblar a monotonia de um calhamaço?
Se você está diante de um calhamaço importante e não quer abandoná-lo no meio do caminho, algumas estratégias podem ajudar. A primeira delas é não ter medo de ler mais de um livro ao mesmo tempo. Pode parecer contraditório, mas funciona. Intercalar um romance denso com uma história mais leve diminui a pressão de “terminar logo”. Assim, o calhamaço deixa de ser uma maratona exaustiva e vira um projeto de longo prazo.
Estabelecer metas pequenas também faz diferença. Em vez de pensar “preciso terminar este livro de 900 páginas”, defina “vou ler 30 páginas hoje” ou “vou concluir este capítulo”. Essa sensação de progresso constante mantém a motivação viva e torna a jornada menos intimidadora.
E lembre-se: não é preciso gostar de tudo o que se lê, mesmo que seja um clássico aclamado. Se, depois de uma chance honesta, você perceber que aquela obra não é para agora, tudo bem. Ela pode esperar um momento em que você esteja mais aberto à experiência. Às vezes, revisitar um livro depois transforma completamente a leitura. Afinal, literatura não é uma prova de resistência.
* Graduado em Sistemas de Informação pela Uniesp, e em Letras pela Unifran. Especialista em Gerência de Projetos de T.I. pelo INPG, e em Tecnologia na Educação pela Unifran. Graduando em Jornalismo pela Unicesumar, e Administração pela Univesp. Experiência com Redação para mídia online há 9 anos.
