Histórias revelam conflitos, afetos e resistências quando filhos compartilham que são LGBTQIA+, mas famílias que acolhem mostram como superar o preconceito.
Autora: Darcy Larine*
Editora: Prof. Larissa Bezerra
Ter aceitação em casa pode ser uma das principais vitórias para alguém que se assume homossexual. Nos lares, são formadas barreiras e bloqueios que machucam. Pode ser uma aceitação que levará dias, meses, até anos. Do lado da família, também, é um sentimento que vai sendo consolidado, segundo especialistas.
Carolina (nome fictício), que preferiu não se identificar, é mãe da estudante, Layla, de 18 anos, e resolveu se abrir sobre o tema. Carolina conta que, por enquanto, está sendo uma fase muito difícil, por ser tudo muito recente. “Mesmo ela assumindo que é homossexual para mim, eu ainda não consigo acreditar. Até o momento está sendo difícil entender. Jamais irei abandonar minha filha, ou maltratá-la. Respeito o que for melhor para ela, mas é um assunto complicado por enquanto”.
A filha, Layla, 18 anos, relata que “sempre soube” que era homossexual. Ela lembra que quando criança tinha gostos diferentes de suas irmãs, mas por ser ainda apenas uma criança não pensava no assunto. “Depois que fiquei adolescente, fui pensando mais no assunto e reprimindo minha sexualidade. Fiquei nesse processo até meus 16 anos. Em 2016, quando eu já tinha 17 anos de idade fui me aceitando e decidi contar a meus amigos. Eles me apoiaram, e isso foi muito importante”.
Layla relata que não teve a oportunidade de contar o que estava acontecendo para a sua mãe, sua irmã mais velha contou antes. Ela diz que em julho de 2024, a irmã decidiu contar para sua mãe, antes que ela tivesse coragem para se “assumir”. A jovem comenta que foi um dia bem tenso em sua casa. Quando a mãe descobriu, ameaçou tirá-la do cursinho e proibir que ela saísse com seus amigos LGBTs. Layla conta que agora sua mãe está reagindo de uma forma bem mais tranquila, só não gosta de falar do assunto com ela. “Mesmo com ela ainda relutando para falar do assunto, fico aliviada de não estar escondendo mais isso, e tenho certeza que logo vamos poder conversar abertamente”.
Na falta de compreensão familiar, quando os filhos LGBTs tentam se assumir, o que é mais recomendado a fazer, é procurar medidas que reabram o diálogo, como um profissional, como explica a psicóloga Juliana Carmo. “O diálogo é sempre a melhor saída. Buscar ajuda com psicoterapeutas, tanto o tratamento individual, quanto o familiar. Um profissional pode intermediar o diálogo e facilitar a aceitação. Esse diálogo pode resgatar o amor e o respeito no contexto familiar”, afirma.
Assim como a mãe de Layla, outros pais têm dificuldade de aceitar quando ficam sabendo da orientação sexual do filho, mas nem sempre todos reagem com sofrimento. É o caso da mãe de Leonardo, Antônia Rúbia de Paiva, 43, que reagiu com tranquilidade ao saber da homossexualidade do seu filho. Leonardo conta que aos seus 15 anos beijou o primeiro rapaz, e foi a partir daí que ele decidiu se assumir para ele mesmo. Porém não chegou a conversar com sua mãe sobre o assunto.
“Na verdade ela descobriu de uma forma bem estranha. Ela me flagrou beijando um namoradinho meu na época. Até hoje não chegamos a conversar sobre isso. Ela não me fez nenhuma pergunta sobre o que viu, e reagiu normalmente, como se já soubesse”. Leonardo comenta que depois de um tempo, começou a sair com seu atual namorado. Ele relata que o apresentou à sua mãe e ela foi muito simpática. Hoje, ele mora com seu namorado, e sua mãe adora quando vão visitá-la.
Quando o Leonardo se assumiu, a mãe não ficou surpresa. “Posso dizer que eu não passei por um processo de aceitação. Minha convivência com ele é muito harmoniosa, não tenho e nunca tive problema com a sexualidade dele. Ele nasceu assim, e eu acho que tudo fica mais leve quando nós pais aceitamos isso. O que me deixa triste é ver alguém falando mal dele, principalmente pessoas da família”, conta Antônia Rúbia.
Aceitação parcial
Lumma Dantas, 29, relata que se considera lésbica “desde criança”. Na época, ela já sentia algo diferente por meninas, mas achava que tudo aquilo que ela sentia era errado. “Comecei a me relacionar com mulheres bem cedo, mas com um tempo não queria aceitar isso, eu tinha vergonha e medo da rejeição dos meus pais. Tentei me assumir para eles várias vezes, mas nunca conseguia. Com 13 anos de idade, voltei a namorar uma menina. Nessa época eu morava em Brasília e meu pai em São Paulo. Foi aí que eu decidi contar a minha mãe que eu gostava de meninas. Ela ficou “estatelada” e disse que isso era errado”.
A mãe de Lumma decidiu contar ao pai dela o que estava acontecendo. No dia seguinte, ele saiu de São Paulo e foi até Brasília para os dois conversarem sobre o assunto. “Ele raramente vinha me visitar, mas depois que ele descobriu que eu estava me relacionando com uma garota, ele foi urgente. Para ele, eu estava em um mal caminho.”
Devido a reação de seus pais, ela tentou omitir o fato e explicou para eles que foi apenas uma fase da vida dela, e que já havia passado, e continuou tentando ser uma pessoa que ela não era. Mas depois de um tempo ela decidiu assumir para toda sua família sua sexualidade. “Toda minha família hoje sabe da minha orientação sexual, e isso foi um grande alívio. Não esconder quem eu sou, e quem eu amo. O que me deixa triste é meu pai não me aceitar até hoje”. Quando Lumma assumiu em casa que era homossexual, o pai e ela passaram a ter uma vida de pouco diálogo. Ele não fala sobre a sexualidade dela. “Fico muito triste com isso, pois gostaria de ter meu pai mais próximo de mim. Minha mãe agora já me aceita e me apoia em tudo. Já meu pai não consegue aceitar”, desabafa.
A artista plástica Noélia Lacerda, mãe de Lumma, esclarece que teve medo da reação de outras pessoas. “Quando a Lumma assumiu que era homossexual, fiquei com muito medo da violência de ‘babacas’ que saem fazendo ‘justiça’ com as próprias mãos. Fui contra no início, mas agora eu aceito e entendo”.
O psicólogo e membro da Comissão Especial LGBT do Conselho Regional de Psicologia Felipe de Baére explica que o mundo envolve diferentes culturas e posturas, sobre a aceitação ou repúdio a homossexualidade ou de quaisquer sexualidades não heteressexuais. “O fato de assumir a homossexualidade na família costuma gerar uma mobilização e desassossegos, uma vez que a maioria das pessoas é criada dentro de um contexto heteronormativo, que estabelece de maneira impositiva a heterossexualidade, que estabelece de maneira impositiva a heterossexualidade como orientação sexual ‘natural’, ‘genuína’”.
Ódio
“É complicado ouvir de seus próprios pais que se você for homossexual é para pegar suas coisas e ir embora de casa”, conta Matheus, (nome fictício) que preferiu não se identificar. Ele tem 17 anos e que já ouviu de seus pais que preferem um filho traficante a um filho gay, e que seria melhor ele sumir. Matheus diz que todas essas palavras ditas por seus pais, machucam e vão marcá-lo para sempre. “Eles sempre ficam me cobrando uma namorada, me proíbem de sair com meus amigos”, desabafa.
Matheus diz não entender seus pais. “Eu já abri mão de muitas coisas por não conseguir ser forte e resistir. Eles estão sempre tentando me moldar com frases do tipo “anda que nem homem”, “senta que nem homem”, e ainda fazem xingamentos por eu só sair com meninas. Uma das frases que mais me machuca ouvir é ‘não é possível que o único filho que tenho, é gay’ ou ´jamais irei aceitar essa pouca vergonha na minha casa´, é muito difícil ouvir isso”, lamentou.
A psicóloga Juliana Carmo explica que a terapia familiar pode ajudar na compreensão da problemática. “A família passa por um ´processo de luto´, logo vem acompanhado de culpa, por isso a família toda precisa de ajuda. As escolhas sexuais dos filhos não são um problema. É obrigação dos pais serem um porto seguro para seus filhos. Acolher e dar suporte”.
O psicólogo Felipe de Baére aponta que gays, lésbicas e bissexuais, entre outras sexualidades dissidentes, costumam demorar a encontrar grupos aos quais sintam-se pertencentes. “Se o preconceito ocorre dentro de casa, o convívio com o desamparo e a desesperança torna-se ainda mais intensos”.
Reparação
Em caso de agressões vindas dos pais, por não aceitarem a orientação sexual dos filhos, o advogado Vítor Meira Aragão informa que a vítima deve procurar a delegacia mais próxima e registrar um boletim de ocorrência. As mais indicadas são delegacias especiais, como a DEACRI (Delegacia Estadual de Atendimento a Vítimas de Crimes Raciais e de Intolerância). “Além de sanções previstas em lei, a depender do crime cometido pelo agressor, é possível haver medida protetiva”.
Segundo o advogado, se o filho for menor de idade e os pais o expulsam de casa por causa da sexualidade, ele pode ser amparado judicialmente para não ser prejudicado. Desse modo, a pessoa deverá procurar o poder judiciário para que o juiz tome as medidas necessárias para retorno do menor à sua residência ou a revisão de sua guarda, conforme os termos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ato de expulsar um menor de idade, se configura em abandono de incapaz, previsto no artigo 133 do código penal. “Além dos pais proverem o sustento dos filhos, eles têm também a guarda, ou seja, a obrigação de manter os filhos sob seus cuidados. Os maiores de idade que são expulsos de casa têm direito a uma pensão. Porém só se estiverem estudando ou não tenham condições de se sustentar”, explica.
*Sou Darcy Larine, casada, morando em Jataí, Goiás, e estudante de Jornalismo. Sou apaixonada por contar histórias, principalmente aquelas que tocam o coração e fazem a gente enxergar o outro com mais empatia. Acredito que o Jornalismo pode, e deve, ajudar a construir essas pontes. E é isso que me inspira todos os dias.