Cinema vive transformação entre salas e telas

O setor audiovisual brasileiro vive uma fase de recuperação após a pandemia, com aumento de público e bilheteria, mas ainda enfrenta os desafios impostos pelo avanço do streaming.

Autor: Gabriel Fagundes*
Editora: Prof. Larissa Bezerra

O setor cinematográfico brasileiro vive uma fase de reconfiguração marcada por recuperação após a pandemia, expansão das salas e forte concorrência das plataformas de streaming. Dados recentes da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA) ajudam a mapear esse panorama.

Crescimento das salas e da bilheteria
Nos últimos dois anos, o mercado exibidor brasileiro voltou a ganhar força. Em 2024, o audiovisual movimentou cerca de R$ 32,7 bilhões, o maior valor registrado desde 2017, segundo o Serviço de Informações do Brasil (Agência Gov). Esse desempenho marca uma virada importante após um período desafiador.

A retomada, porém, não aconteceu de forma imediata. Segundo Vinicius de Jesus, ex-gerente do Cinemark no Shopping Interlagos-SP, o retorno inicial do público foi lento. “Os aplicativos de streaming cresceram muito, e nem todo mundo estava à vontade para ir ao cinema, onde antes da pandemia havia grande aglomeração de pessoas”. Ele lembra que, nos primeiros meses de reabertura, predominavam apenas os frequentadores mais assíduos. “O público que voltou primeiro foi aquele fã de carteirinha do cinema, ainda havia muita insegurança”.

Esse cenário começou a mudar conforme grandes produções nacionais voltaram aos cinemas. O lançamento de “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, levou milhares de pessoas às salas e reacendeu o interesse por filmes brasileiros. Casos como esse mostram que, quando há investimento em divulgação e narrativas fortes, a resposta do público aparece e se reflete diretamente nos números.

Em 2024, cerca de 125 milhões de ingressos foram vendidos, resultando em R$ 2,5 bilhões de arrecadação. O país também atingiu 3.510 salas de cinema, o maior número da história, segundo dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA/Ancine), divulgados pela Revista de Cinema.

A tendência de crescimento se manteve em 2025. No primeiro semestre, houve aumento de 21,1% no público em comparação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com a Revista de Cinema. Até agosto, as salas já haviam recebido 81,9 milhões de espectadores, praticamente igualando todo o público de 2024 (88 milhões), segundo dados da Ancine.

Boa parte desse crescimento foi impulsionada por estratégias adotadas pelas grandes redes exibidoras, como Cinemark, Cinépolis e UCI. Uma das mais efetivas foi o relançamento de clássicos, tendência que ganhou força com o projeto Cinemark Classics, que exibiu títulos como O Senhor dos Anéis, Titanic e Harry Potter. Vinicius de Jesus confirma que esse movimento foi deliberado. “A estratégia do Cinemark foi diminuir o preço do ingresso e trazer filmes antigos, como Batman: O Cavaleiro das Trevas, até chegar lançamentos mais atrativos como Godzilla vs. Kong.”

Mesmo com a recuperação do setor, o crescimento acelerado do streaming influenciou o comportamento do público. Vinicius relata que, na pandemia, filmes que demorariam meses para chegar ao streaming apareciam lá em um mês. Isso fez muitas pessoas optarem por assistir em casa. Ele destaca, no entanto, que a experiência cinematográfica continua sendo um diferencial. “Nada tira a magia de ir ao cinema e ter uma tela gigante e um som de alta qualidade. É encantador.”

Outro fator que impacta a frequência é o preço. “O valor dos ingressos e da pipoca influencia muito”, afirma. Segundo ele, o cinema tenta compensar com promoções de segunda a quarta, atraindo o público que busca preços mais acessíveis. Já as famílias tendem a frequentar mais nos fins de semana, mesmo com o custo mais elevado.

Fonte: gráfico feito com ajuda de Inteligência Artificial.

O avanço e as limitações do streaming
No ambiente digital, o crescimento do streaming não significou necessariamente mais espaço para produções nacionais. O relatório “Panorama do Mercado de Vídeo por Demanda no Brasil 2024”, da Ancine, mostra que o conteúdo brasileiro representa apenas 8,5% do catálogo total das plataformas analisadas — praticamente o mesmo percentual de 2023. Mesmo com o número absoluto de títulos nacionais tendo aumentado (de 4.407 em 2023 para 4.634 em 2024), a participação nas plataformas de maior audiência caiu de 8,5% para cerca de 7%.

Além disso, o streaming passou a enfrentar um desgaste junto ao público. Após anos em que era visto como a alternativa mais acessível ao cinema, o modelo se fragmentou: filmes e séries antes concentrados em uma única plataforma agora estão espalhados entre Disney+, Netflix, Max, Amazon Prime Video, Apple TV+, Star+, Paramount+, entre outras. Segundo o Relatório Global de Streaming 2025 da Parrot Analytics, um usuário que queira ter acesso ao conteúdo mais popular precisa, hoje, assinar em média quatro plataformas diferentes.

Somado a isso, houve aumento de preços. Dados do site financeiro JustWatch Insights indicam que, entre 2023 e 2025, as mensalidades das principais plataformas no Brasil subiram entre 18% e 31% — o maior reajuste desde a popularização do streaming no país. Alguns serviços também passaram a restringir o compartilhamento de senhas, o que afastou parte dos usuários.

Interpretações e impactos para o setor
A retomada e expansão do parque exibidor brasileiro indicam que o cinema tradicional permanece relevante no país. Para o crítico de cinema e jornalista Roberto Sadovski, não há disputa direta entre modelos tradicionais e digitais. “Não acho que exista conflito entre tradicional e digital. O que existe são preferências de cineastas em usar uma ou outra ferramenta. Para o público, acho que não existe diferença.”

O movimento de recuperação das salas após a pandemia também segue um padrão observado por quem acompanha o setor de perto. Sadovski aponta que o retorno do público era esperado. “Depois da pandemia, seria natural que a turma saísse mais de casa quando o mundo assim o permitisse. Mas ainda estamos longe do número ideal, ainda vivemos de poços com filmes específicos.”

Esse retrato ajuda a explicar por que grandes estreias e eventos especiais têm puxado o crescimento das bilheterias. Ao mesmo tempo, a ampliação da presença de filmes brasileiros nas salas reforça um processo de fortalecimento do conteúdo nacional no circuito exibidor.

Já no ambiente digital, o cenário é mais complexo. Embora a produção nacional tenha crescido, sua participação no catálogo das plataformas permanece limitada. Para Sadovski, o streaming pode representar um risco quando interfere diretamente na força das salas. “O streaming é uma ameaça quando retira a força que os cinemas possuem. Mas está havendo um movimento contrário: artistas fazem questão que seus filmes tenham carreira nos cinemas antes de irem ao streaming.”

No contexto mais amplo, o setor audiovisual vive uma fase de transição: as salas recuperam o público e reforçam seu papel como espaço de experiência coletiva, enquanto as plataformas consolidam novos hábitos de consumo. “Não acho que teremos mudanças consideráveis nos próximos anos. Talvez em tecnologia para ver filmes. Quanto mais a gente tenta desfraldar o futuro, mais o passado se mostra ideal”, diz Sadovski.

Filmes lançados em 2025. Foto: Ingresso.com

Cineastas internacionais refletem sobre streaming e a experiência do cinema
Nos últimos anos, a expansão das plataformas de streaming passou a influenciar diretamente os modelos de distribuição e consumo audiovisual. Em eventos e entrevistas internacionais, cineastas de diferentes países têm comentado esse cenário e relatado como enxergam a relação entre o digital e as salas de exibição.

Em setembro de 2025, durante a Global Media Conference em Seul, o diretor sul-coreano Bong Joon-ho afirmou que as plataformas de streaming “remodelaram o cenário, mas a narrativa envolvente permanece intocada”. Ele também destacou que os avanços tecnológicos não eliminam a atuação criativa do cineasta.

O diretor norte-americano Sean Baker, vencedor do Oscar de 2025 por Anora, comentou sobre o impacto da experiência coletiva. Na cerimônia de março de 2025, ele declarou: “Assistir a um filme no cinema com uma plateia é uma experiência comunitária que você simplesmente não tem em casa”.

Em fevereiro de 2024, o cineasta britânico Christopher Nolan afirmou que vê o streaming como um formato complementar aos cinemas. Em entrevista à Sight & Sound, ele disse que “o streaming será para o cinema o que o VHS e depois o DVD foram” enfatizando que a exibição em tela grande continua ocupando um espaço próprio dentro do setor.

Essas declarações compõem parte das discussões recentes sobre como diferentes formatos convivem na indústria audiovisual internacional.

Christopher Nolan. Foto: Divulgação/Universal Pictures

O cinema pelo olhar do público
Anderson Lima, 27 anos, trabalha na área administrativa e é fã de filmes de terror desde a adolescência, quando assistiu O Chamado pela primeira vez na televisão. Ele conta que costuma ir ao cinema ao menos duas vezes por mês, especialmente quando estreiam títulos do gênero.

“Gosto de ver terror no cinema porque a experiência é mais intensa: o som, a escuridão e a reação das outras pessoas tornam o filme mais assustador”, diz. Anderson explica que, apesar de o preço do ingresso pesar no bolso, ele considera que vale a pena quando o filme promete uma imersão maior.

Ele também destaca que sair de casa influencia diretamente na forma como recebe o filme. “Não é só o filme. É ir até o cinema, ver outras pessoas. Parece que abre mais a mente e cria uma sensação de evento”.

Mariana Silva, 42 anos, analista de RH, frequenta cinemas desde jovem, mas conta que retomou o hábito com mais frequência depois de ter filhos. Hoje, leva as duas crianças — de 8 e 11 anos — ao cinema pelo menos uma vez por mês, especialmente para estreias familiares.

“Levar meus filhos ao cinema é especial. Eles se divertem muito, e eu aproveito para ver filmes que também gosto”, conta. Ela lembra da sessão de Divertida Mente 2, que lotou a sala próxima de sua casa e se tornou uma das experiências mais marcantes da família. “A alegria deles na sala fez tudo valer a pena.”

Mariana reconhece que o preço do ingresso pode ser um fator limitador, mas diz que muitas vezes o custo-benefício compensa. “Pensamos no valor, claro, mas quando estamos lá dentro percebemos que é uma experiência diferente de assistir em casa, é mais envolvente, e dá para passar um tempo juntos em família sem ninguém pegar no sono no meio do filme.”

As percepções dos entrevistados mostram que, mesmo com a popularização do streaming, o cinema segue ocupando um espaço afetivo e social importante para o público, especialmente quando a ida à sala se transforma em um momento de encontro e experiência compartilhada.

Eu sou o Gabriel Fagundes, tenho 24 anos e sou de São Paulo-SP. Sempre gostei muito de esportes, desde criança, só que a maior paixão sempre foi o futebol, e no jornalismo consigo vivenciar isso de mais perto do que se pode imaginar. Levar informações para pessoas de todo o Brasil, conhecer culturas novas, gírias, comidas. Não tenho dúvida que fiz a escolha certa.

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