Centenas de bibliotecas encerraram as atividades no Brasil entre 2015 e 2020.
Autor: Reginaldo Calegari*
Editora: Prof. Larissa Bezerra
As bibliotecas públicas, instituições essenciais para a disseminação do conhecimento e da cultura, têm enfrentado um cenário preocupante no Brasil. Criadas e mantidas pelos municípios, estados ou governo federal, essas instituições oferecem acesso gratuito e democrático à informação para uma ampla gama de públicos. No entanto, a realidade atual mostra um declínio na quantidade de bibliotecas públicas, refletindo uma crise no setor.
Dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) revelam que o Brasil perdeu aproximadamente 800 bibliotecas públicas entre 2015 e 2020. Especialistas em biblioteconomia, contudo, sugerem que esse número pode ser ainda maior, devido à fragilidade do SNBP, agravada pela extinção do Ministério da Cultura em 2019 e pela eficácia questionável dos sistemas estaduais de controle.
O cenário das livrarias no Brasil também enfrenta problemas. De acordo com a Associação Nacional de Livrarias (ANL), o país contava com 3.095 livrarias em 2014. Esse número caiu para 2.200 em 2021, indicando que, em média, uma livraria fecha suas portas a cada três dias.
A preocupação com o futuro das livrarias e bibliotecas públicas no Brasil é crescente. A diminuição dessas instituições, juntamente com o encarecimento da produção de livros, gera inquietação entre leitores e empresas do setor. Compreender essas tendências e desafios é crucial para desenvolver estratégias que possam reverter ou mitigar os impactos negativos sobre o acesso à cultura e à informação no país.
O fechamento de livrarias, a redução de bibliotecas públicas e o aumento dos custos de produção de livros são sinais claros de uma crise que pode ser enfrentada com políticas públicas eficazes e um esforço conjunto entre governos, instituições culturais e a sociedade.
Encarecimento e desafios na produção de livros
Diante das principais dificuldades que as editoras e livrarias enfrentam na produção de um livro, desde a concepção até a sua publicação, Chirlei Wandekoken, diretora administrativa da Editora Pedrazul, com sede em Vitória, no Espírito Santo, diz que a maior dificuldade é o aumento do valor da matéria-prima. A empresa enfrenta desafios como o aumento de custos, que obriga a reduzir funcionários, e a dificuldade de encontrar prestadores de serviços qualificados, resultando em materiais revisados de forma inadequada, retrabalhos, atrasos e críticas frequentes.
Apesar da elevação do custo dos materiais ao longo dos anos, a diretora evita repassar o aumento de custos aos livros, para não os tornar inacessíveis ao público geral. No entanto, são enfrentados limites financeiros, como no caso do clube de assinatura, que não teve aumento por cinco anos. Considerando a impressão dos livros físicos e seus maiores desafios, a diretora apontou o aumento constante do papel e a escassez do material. Ela citou o exemplo prático da principal fornecedora de papel no Brasil, que prefere vender seu papel Polén – amado pelos leitores, segundo a diretora – para o exterior, em dólar ou euro.
Uma grande discussão na atualidade é como a tecnologia digital pode afetar a produção de livros físicos. “Sempre haverá aquele leitor que tem preferência pelo livro impresso. Entretanto, sempre oferecemos os dois”, diz Wandekoken. Conforme dito pela diretora, no início da Pedrazul, em 2012, a maior dificuldade era chegar às livrarias, pois os leitores preferiam comprar fisicamente. Segundo dados informados por Wandekoken, 80% dos leitores brasileiros preferem comprar on-line, devido ao menor custo e à diminuição do número de livrarias.
Esse comportamento mudou o mercado, reduzindo ainda mais as livrarias. A Pedrazul, por exemplo, não trabalha mais com consignação – determinar ou assinalar renda ou quantia para certa despesa ou quitação de dívida -, mas vende diretamente. Assim, a mudança no comportamento dos leitores beneficiou editoras pequenas, que agora vendem direto ao consumidor final.
Chirlei Wandekoken diz que escritores que buscam publicar suas obras podem optar por um e-book na Amazon e divulgação nas redes sociais, o que pode permitir arrecadar fundos para contratar profissionais particulares e imprimir o livro. Ela considera ainda que passar por uma editora que cobra para lançar o livro é considerado um desperdício de dinheiro e tempo.
A editora explicou que todos os colaboradores são movidos não apenas pelo lucro, mas pelo amor aos livros e pelo legado de valor que deixarão, ajudando-os a se manter no mercado editorial.

Desafios da leitura no Brasil
O bibliotecário Arthur Farias, concursado na Prefeitura Municipal de São Paulo, contou que os leitores buscam novidades e, ao não encontrarem livros recentes em bibliotecas públicas, ficam desanimados. Esse problema é causado pelo orçamento cada vez mais escasso, o custo de aquisição dos itens e a falta de interesse ou outras prioridades governamentais. Isso também impacta editoras independentes, que têm margens de lucro estreitas e enfrentam dificuldades nas negociações.
Com relação aos principais desafios de uma biblioteca pública, diante do desmonte de infraestrutura e recursos, Farias citou a falta de investimento público na manutenção, desde a aquisição de livros até a falta de estrutura para acompanhar o acesso à tecnologia, além da precariedade do acesso às bibliotecas por transporte público.
Diante de um cenário negativo, o bibliotecário apontou que as bibliotecas procuram adotar iniciativas para diminuir tais efeitos. Ele acrescentou que há uma grande demanda por mudanças nas bibliotecas, impulsionadas por gestores e bibliotecários. Tais mudanças incluem qualificação profissional, adaptação de serviços culturais, ambientes mais acolhedores, parcerias com empresas, e bibliotecas móveis. “Muitas bibliotecas estão oferecendo programas de alfabetização e inclusão digital para ajudar as pessoas desenvolverem habilidades de leitura, escrita e uso da tecnologia”, acrescentou.
Sobre o papel social das editoras independentes, ele disse que essa atuação deve ser significativa, especialmente quando se trata do acesso à diversidade de ideias e perspectivas nas bibliotecas públicas, apesar de existir uma participação ainda tímida das editoras independentes no acervo público e na procura de livros. No entanto, elas contribuem com diversidade cultural, inovação em gêneros e estilos literários, acesso a temas locais e regionais, promoção de literatura de nicho e fomento da indústria editorial local, incentivando a produção.
A leitura tende a ser cada vez mais incentivada e, sobre o assunto, Farias exemplificou algumas situações, como a importância da valorização de bibliotecas em tempos de dificuldades econômicas, o que requer criatividade e engajamento comunitário. Isso inclui campanhas de conscientização sobre a importância da leitura e das bibliotecas, eventos culturais e literários como clubes do livro, palestras e exposições, parcerias com escolas para promover a leitura, programas de incentivo como desafios de leitura e troca de livros, e uso das redes sociais para divulgação.
Sobre o constante avanço da tecnologia, o bibliotecário comentou que as bibliotecas brasileiras estão integrando digitalização e tecnologia para facilitar o acesso à leitura e à cultura. Elas expandem suas coleções com e-books, audiobooks e bases de dados digitais, além de investir em infraestrutura como internet rápida, computadores públicos e dispositivos móveis. Documentos raros e obras em geral estão sendo digitalizados para melhor conservação e acesso ampliado, visando atender às necessidades de pesquisa, entretenimento e conhecimento dos usuários.
Arthur Farias citou a importância das bibliotecas e a valorização desses espaços. “As bibliotecas precisam ser reconhecidas como instituições essenciais para o desenvolvimento cultural, educacional e social de uma comunidade. Isso requer um trabalho contínuo por parte dos profissionais de biblioteconomia, usuários e defensores das bibliotecas, além do reconhecimento por parte dos governos, instituições acadêmicas e da sociedade em geral”, concluiu.
Fechamento de livrarias diminui o espaço de interação entre os leitores
O leitor Rógeris Kayque Barreto do Nascimento, fonoaudiólogo em Aracaju, Sergipe, se considera um grande consumidor de livrarias on-line. Como faz esse tipo de aquisição há cerca de 14 anos, ele não se sente afetado pelo fechamento livrarias para compras, porém, reconhece a perda da falta de espaço para os encontros com os amigos. Nascimento acrescentou que esse cenário prejudica o consumidor na exploração de uma variedade de títulos. Entretanto, pensa que as redes sociais estão propagando mais o nome de autores novos.
Para o sergipano, as livrarias são espaços físicos importantes por proporcionar ao leitor trocas de experiências com os vendedores e outros consumidores que frequentam esses locais.
Com relação ao incentivo e sustentabilidade das livrarias físicas, o fonoaudiólogo acredita que eventos que reúnem leitores, rodas de discussões e clubes do livro podem aumentar a participação de consumidores nesses espaços. “Promover a interação entre o público mais do que apenas comprar, além de é claro, preços mais acessíveis”, acrescentou. Ele acredita que o Brasil precisa de políticas para o incentivo da leitura que vão além das salas de aula.
Nascimento frequentava bibliotecas públicas quando tinha algum evento. Entretanto, foi durante a vida acadêmica que a sua presença nesses espaços aumentou para a pesquisa dos livros necessários para a faculdade, entre outros títulos. Para ele, o fechamento desses locais diminui o acesso aos livros para quem tem um poder aquisitivo menor, sobretudo jovens em idade de desenvolver o hábito da leitura.
Para ele, a leitura pode impactar positivamente na vida pessoal, apresentando realidades possíveis, pensamento crítico e lazer. “O fechamento das bibliotecas públicas, e a diminuição do acesso aos livros, interferem diretamente no crescimento pessoal e social fazendo com que não exista outra perspectiva de vida, além daquelas em que se encontram os mais carentes”, complementou.

*Graduado em Sistemas de Informação pela Unifami, e em Letras pela Unifran. Pós-graduação em Gerência de Projetos de T.I. pelo INPG, e em Tecnologia na Educação pela Unifran. Graduando em Jornalismo pela Unicesumar, e Administração pela Univesp. Experiência com Redação para mídia online há 7 anos.