De faixas no gramado a troféus de “Craque da Partida”, as casas de apostas ocupam um lugar de destaque no futebol nacional e levantam debates sobre regulamentação, vício e ética.
Autor: Gabriel Fagundes*
Editora: Prof. Larissa Bezerra
Durante as partidas do Campeonato Brasileiro, é comum observar a ampla presença de marcas de casas de apostas. Os painéis de publicidade ao redor do gramado exibem nomes de empresas do ramo, além disso, premiações como o troféu de “Craque da Partida” frequentemente trazem logotipos de bets. Esse cenário reflete o avanço comercial do setor de apostas esportivas no país, que passou a investir de forma massiva no futebol brasileiro.
Uma febre que ganhou campo após 2018
A presença das casas de apostas no futebol brasileiro começou a se consolidar a partir de 2018. Naquele ano, a sanção da Lei nº 13.756/2018, pelo então presidente Michel Temer, autorizou as apostas de quota fixa no país (modalidade em que o apostador conhece previamente o valor que pode ganhar).
Nos anos seguintes, mesmo sem uma regulamentação detalhada, o setor passou por uma expansão significativa. Diversas empresas estrangeiras, muitas sem sede no Brasil, iniciaram operações no país, firmando contratos de patrocínio com clubes, campeonatos e emissoras de eventos esportivos. O futebol tornou-se o principal foco de investimento dessas plataformas.
A regulamentação mais específica foi estabelecida entre 2023 e 2024, com a sanção da Lei nº 14.790/2023, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa nova legislação definiu regras sobre tributação, requisitos para licenciamento de operadoras e medidas para prevenção de comportamentos compulsivos relacionados às apostas.
De acordo com dados da consultoria BNLData, o mercado de apostas esportivas movimentou aproximadamente R$ 120 bilhões em 2023. Para 2025, a projeção é que esse valor ultrapasse os R$ 200 bilhões. A maior parte das apostas está concentrada em partidas de futebol, que segue como o esporte mais popular entre os brasileiros.

As apostas dominam o jogo dentro e fora de campo
O patrocínio de casas de apostas no futebol brasileiro ultrapassou o espaço tradicional das camisas. Atualmente, essas empresas expandem sua presença para diversas áreas do espetáculo esportivo, incluindo os direitos de nomeação de competições, estádios, troféus e ações de marketing.
Alguns campeonatos nacionais já carregam marcas de casas de apostas em seus nomes oficiais. O Campeonato Brasileiro da Série A é intitulado Brasileirão Betano, enquanto a Série B leva o nome de Brasileirão Superbet. Estádios também seguem essa tendência, como o Esportes da Sorte Arena, e os backdrops utilizados nas entrevistas pós-jogo são frequentemente cobertos por logotipos dessas empresas. Além disso, o prêmio de “Craque da Partida” costuma ser entregue com painéis publicitários da patrocinadora.
De acordo com relatório do portal R7 Esportes, em maio de 2025, aproximadamente 90% dos clubes da Série A estavam com casas de apostas como patrocinadoras master, o que equivale a 18 dos 20 times. Esses acordos variam entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões por temporada, podendo aumentar conforme metas previstas em contrato. As ativações incluem desde exposição na camisa principal e em outras partes do uniforme até campanhas específicas nas redes sociais e plataformas digitais dos clubes.
Com essa presença em diversos pontos de contato com o público, a atuação das casas de apostas se tornou uma das principais fontes de receita comercial no futebol brasileiro.

Manipulação de resultados liga alerta para o setor
O avanço das apostas esportivas no Brasil também trouxe à tona investigações sobre manipulação de resultados no futebol nacional. Em 2023, o Ministério Público de Goiás deflagrou a Operação Penalidade Máxima, que apurou esquemas em que jogadores eram aliciados para realizar ações específicas durante partidas, como forçar cartões amarelos, cometer pênaltis ou interferir diretamente no resultado dos jogos, favorecendo apostadores em sites de quota fixa.
Entre os investigados estavam atletas de clubes como Vila Nova, Sampaio Corrêa, Londrina, e até de equipes da Série A, como Red Bull Bragantino e Santos. O jogador Romário, do Vila Nova, chegou a admitir, em depoimento, ter recebido R$ 10 mil para cometer um pênalti proposital. Outros nomes citados em denúncias foram Eduardo Bauermann (Santos) e Kevin Lomónaco (Bragantino), afastados por suas equipes após a repercussão do caso.
A operação levou à suspensão de jogadores, abertura de processos disciplinares na Justiça Desportiva e acendeu um alerta nas entidades reguladoras do futebol. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) passou a monitorar mais de perto movimentos suspeitos de apostas, enquanto clubes e federações intensificaram campanhas de conscientização e controle interno.
A repercussão nacional do escândalo reforçou os debates sobre a necessidade de uma regulamentação mais rigorosa e de ferramentas de combate à manipulação de resultados, a fim de proteger a integridade esportiva no país.

A força econômica das apostas no futebol brasileiro
A entrada das casas de apostas no futebol brasileiro trouxe um impacto financeiro imediato e significativo. Segundo o economista e gestor Henrique Farinha, as bets elevaram os valores de patrocínios máster e aumentaram a receita com a venda de placas de publicidade nos estádios. Essa injeção de capital contribuiu para inflacionar o mercado nacional, especialmente no valor dos direitos dos atletas.
No entanto, a dependência excessiva desse setor representa riscos. Henrique alerta para uma possível bolha. “Muitos clubes estão gastando por conta e, com a tendência de maior regulamentação da atuação das casas de apostas, essas receitas deverão cair e a ‘bolha’ terminar.”
Quando se trata de marketing esportivo, o economista destaca que os clubes brasileiros ainda exploram pouco o potencial de engajamento e fidelização dos torcedores. “Trabalha-se muito pouco a identidade de valores, as ativações e a monetização das redes. Há um longo caminho a percorrer”, aponta.
Segundo ele, a forte associação com o setor de apostas pode, inclusive, afetar negativamente a imagem das instituições esportivas. Dados citados por Henrique mostram que cerca de 5% da população brasileira (o equivalente a 10,9 milhões de pessoas) sofre com a ludopatia, o vício em jogos de azar. Desses, aproximadamente 13% (1,4 milhão) enfrentam prejuízos sociais, pessoais e financeiros.
Com dezoito dos vinte clubes da Série A contando com casas de apostas como patrocinadoras máster — e outros, como o Mirassol, com parcerias secundárias — o risco de saturação e banalização das marcas também preocupa. “São muitos clubes fazendo o mesmo tipo de oferta e associando suas marcas ao mesmo segmento”, observa o economista.
Para Henrique, é possível buscar um equilíbrio entre marketing, finanças e responsabilidade social. Ele cita o exemplo da Premier League, que proibirá patrocínios de casas de apostas nas camisas a partir da temporada 2026/2027, como um possível caminho. “Isso exigirá dos clubes uma gestão mais qualificada do marketing, com foco no engajamento dos torcedores e na monetização das redes sociais.”
Quando a diversão cobra um preço alto
A crescente popularidade das apostas esportivas também tem acendido um alerta na área da saúde mental. Segundo o psicólogo Marcio Vaz, a dependência em jogos e apostas é um transtorno compulsivo que pode causar impactos profundos na vida do apostador.
“Um dos sinais de alerta é quando começa a causar prejuízos significativos na vida da pessoa, com negação do vício, desejo incontrolável de jogar, inquietação ou irritação quando não consegue jogar, endividamento causado por apostas e perda de veículos afetivos”, explica o especialista.
Segundo ele, é comum que o vício em apostas leve ao surgimento de outros transtornos, como ansiedade intensa, quadros depressivos e até mesmo isolamento social. A ansiedade gerada pelas dívidas, por exemplo, pode levar a novas apostas como forma de fuga emocional, enquanto a depressão pode surgir como consequência direta das perdas financeiras e do desespero. Nesse cenário, também são frequentes os casos de endividamento progressivo, instabilidade emocional e dificuldade para lidar com os impactos causados pelo vício.
Sobre as possíveis formas de prevenção, o psicólogo defende a atuação de políticas públicas. Ele afirma que campanhas educativas, regras mais rígidas para anúncios e o monitoramento da atuação das casas de apostas podem ajudar a mitigar os efeitos do vício. “Embora os impactos ainda estejam sendo estudados, já se observam casos de endividamento grave, sofrimento psíquico e até tentativas de suicídio”.
Marketing agressivo e riscos sociais
O psicólogo Márcio Vaz também chama atenção para o papel do marketing na expansão do vício. Segundo ele, as casas de apostas costumam apresentar o jogo como algo inofensivo e lucrativo, o que pode atrair especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e emocional. Essa ilusão de dinheiro fácil contribui para o endividamento de muitos apostadores, desencadeando problemas emocionais, sociais e, em casos mais graves, quadros de depressão e ansiedade. Para o psicólogo, é necessário discutir a ética da publicidade do setor e o papel das plataformas na proteção de públicos vulneráveis.
Na pele de quem aposta
A popularização das apostas também mudou a relação de muitos torcedores com o futebol. Gustavo Nascimento, torcedor do São Paulo FC, que começou a apostar há cerca de 5 anos, relembra que o primeiro contato com o universo das bets veio por meio de conversas com amigos, antes da explosão de plataformas no país. “Era no clandestino, não tinha muitas bets. O que me atraiu foi o dinheiro”, conta.
Hoje, ele acredita que aposta com bastante frequência. “Considero numa frequência de 90% em campeonatos mais conhecidos, Brasileirão, Premier League, La Liga, Ligue 1, Champions League.”
Essa prática constante afeta diretamente sua experiência como torcedor. “Já senti ansiedade para ganhar as apostas, e estresse e nervosismo quando perdia. Influencia muito as emoções nos jogos”, relata.
Gustavo também observa o crescimento da publicidade relacionada às apostas. “Acho que tudo tem que ser dosado, e não soltar uma minibomba na vida das pessoas”, diz. Para quem está começando, deixa um alerta: “Leve como uma brincadeira só, não aposte o que não tem e não possa perder. Aposte somente o troco do pão, não misture suas finanças e prioridades com apostas.”
* Eu sou o Gabriel Fagundes, tenho 24 anos e sou de São Paulo-SP. Sempre gostei muito de esportes, desde criança, só que a maior paixão sempre foi o futebol, e no jornalismo consigo vivenciar isso de mais perto do que se pode imaginar. Levar informações para pessoas de todo o Brasil, conhecer culturas novas, gírias, comidas. Não tenho dúvida que fiz a escolha certa.