Opinião: Universidade pública e educação de qualidade ainda são privilégios de poucos

Apesar de ser pública, a universidade no Brasil ainda é um sonho distante para muitos jovens de baixa renda que enfrentam desigualdades desde muito antes do vestibular.

Autora: Carla Diniz*
Editora: Prof. Larissa Bezerra

O ensino superior sempre foi visto como uma das maiores portas de entrada para uma vida mais digna e com mais oportunidades. Mas quando essa porta só se abre para quem já tem privilégios, acabamos reforçando desigualdades antigas, que atravessam gerações. A história da educação no Brasil ajuda a entender por que isso acontece. Desde o início, ela foi pensada para poucos. Ainda no século XVI, as escolas eram feitas para ensinar os filhos dos colonizadores, homens brancos e ricos, enquanto a maioria da população ficava à margem. Essa lógica excludente ainda se reflete na forma como nossas universidades funcionam hoje.

Não é fácil entrar em uma universidade pública. É preciso passar pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ou pelo vestibular, que muitas vezes cobra conhecimentos que só são bem trabalhados em escolas com boa estrutura, materiais de apoio e tempo para estudar. E a verdade é que muitos estudantes da rede pública não têm esse mesmo acesso.

Em 2023, por exemplo, entre as 60 redações que tiraram nota mil no Enem, apenas 4 foram escritas por alunos de escolas públicas. Isso diz muito. E quando olhamos para a participação na prova, os dados também assustam: quase metade dos estudantes do 3º ano do ensino médio nem chegou a fazer o exame. Na rede pública, esse número é ainda maior: mais da metade ficou de fora.

Ao mesmo tempo, o Brasil enfrenta uma série de desafios na educação básica. Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), cerca de 400 mil crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos estavam fora da escola em 2023. Outros milhares frequentam a escola, mas com anos de atraso ou em risco de abandono. A evasão escolar é real, e muitas vezes é consequência da desigualdade: falta transporte, falta comida, falta motivação para continuar.

E o que isso tem a ver com as universidades públicas? Tudo. Porque se a base não funciona, é quase impossível chegar até lá. E mesmo quando um estudante de baixa renda consegue entrar, a permanência também vira um desafio. Com os cortes em bolsas, auxílios e políticas de assistência, muitos acabam desistindo no meio do caminho.

Nos anos 2000, houve um esforço real para mudar esse cenário. Programas como o Prouni, o Fies, e a Lei de Cotas ajudaram muitos jovens a entrar na faculdade e sonhar com algo diferente. Entre 1995 e 2015, o número de jovens dos 40% mais pobres nas universidades passou de 2,5% para 16,1%. Foi um avanço importante, mas que está em risco.

Mesmo com algumas melhorias nos últimos anos, o Brasil está vivendo um retrocesso. As universidades públicas, que deveriam ser lugares de inclusão, estão se tornando, mais uma vez, espaço para poucos, principalmente para quem tem dinheiro para pagar esse sonho. E isso não acontece só na hora de entrar, mas também para continuar estudando.

Conseguir uma vaga já é muito difícil para quem é de família pobre, especialmente quando fazemos um recorte dos jovens negros, que sempre enfrentaram mais dificuldades para ter acesso a uma boa educação. Essa desigualdade começa muito antes da universidade. A escola pública, para muitos jovens negros, é o primeiro lugar onde a exclusão já aparece. Um estudo feito pelo Observatório da Branquitude mostra isso com clareza: 69% das escolas com melhor infraestrutura são majoritariamente brancas, ou seja, têm mais de 60% de alunos brancos. Já mais da metade das escolas com maioria negra não têm biblioteca, laboratório de informática ou quadra esportiva. Além disso, essas escolas têm nível socioeconômico mais baixo, não só em termos de renda, mas também levando em conta fatores como o tipo de moradia e a escolaridade dos pais ou responsáveis.

Com essa base escolar tão desigual, não é difícil entender por que a entrada na universidade se torna uma corrida injusta. Mesmo assim, as cotas raciais ajudaram a mudar um pouco esse cenário. De acordo com a PNAD (2022), estudantes negros já são cerca de 48,3% das matrículas no ensino superior, contra 51,7% de brancos. É um avanço importante. Mas ele precisa ser acompanhado por políticas que garantam a permanência desses estudantes na faculdade e a inclusão deles no mercado de trabalho depois da formatura.

Além disso, o jeito de entrar na universidade ainda é muito injusto, como já mencionado. O Enem e os vestibulares são as principais formas de ingresso, mas continuam sendo provas muito difíceis. Mesmo com algumas mudanças no nome ou no formato, a ideia por trás continua a mesma: só entra quem “se esforça mais”. Mas isso não é bem verdade.

O problema é que as condições de estudo são muito diferentes para cada jovem. Alguns têm internet boa, cursinho, livros e um lugar tranquilo para estudar. Outros precisam trabalhar, dividir o quarto com irmãos, cuidar da casa e, muitas vezes, nem têm comida garantida. Como comparar realidades tão diferentes? É por isso que dizer que “basta se esforçar” acaba sendo indevido. Essa ideia do mérito, do esforço individual, faz muitos jovens da classe trabalhadora se sentirem culpados por não conseguirem entrar, como se o fracasso fosse deles, quando na verdade, o sistema nunca foi equitativo.

Segundo dados da PNAD, 45,5% das vagas nas universidades públicas são ocupadas por jovens da classe alta, que representam apenas 24,8% da população brasileira. Por outro lado, a classe baixa, que representa 23,1% da população, ocupa só 8,4% das vagas. Ou seja: a universidade pública, que deveria ser para todos, continua beneficiando principalmente os mais ricos.

Outro dado que chama atenção é que mais da metade das famílias mais pobres (50,8%) nem consegue concluir o ensino médio. Muitas vezes, os jovens precisam trabalhar desde cedo para ajudar em casa, o que diminui ainda mais as chances de se prepararem bem para vestibulares ou até mesmo de fazerem um curso de tempo integral.

Esses números mostram que, embora a universidade pública esteja aberta, não está acessível para todos de verdade. O sistema ainda exclui os mais pobres e favorece os que já têm mais oportunidades desde o começo da vida.

Enquanto continuarem acreditando que entrar na universidade é só questão de esforço, milhares de jovens serão deixados para trás. É preciso olhar para as desigualdades reais e entender que a universidade pública e a educação de qualidade só vai ser de fato pública, quando todos, e não só alguns, puderem sonhar e permanecer nela.

* Meu nome é Carla Diniz, sou paranaense e tenho 24 anos. Sou formada em Letras e, agora, estou realizando um grande sonho: cursar Jornalismo. Sou apaixonada por futebol, especialmente o feminino, e foi por isso que escolhi seguir na área da comunicação, para ter a oportunidade de dar visibilidade a essa modalidade que tanto amo e que merece mais reconhecimento da sociedade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *