Cerca de 67% dos trabalhadores de todas as faixas etárias já sofreram com preconceito de idade, indica pesquisa da Infojobs.
Autora: Débora Correia*
Editora: Prof. Larissa Bezerra
No primeiro semestre de 2023, o termo etarismo ficou em evidência nos noticiários após uma estudante acima de 40 anos de um curso superior ser hostilizada por colegas mais jovens. O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o idadismo (ou etarismo), releva que estamos na década do envelhecimento saudável (2021-2030), entretanto o preconceito atrapalha a vida e o cotidiano das pessoas.
De acordo com a OMS, o termo se refere a estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionadas às pessoas com base na idade que têm. O idadismo pode ocorrer na esfera institucional, interpessoal ou contra si próprio. Assim, a discriminação em razão da idade, é mais um dos muitos tipos de preconceitos presentes na sociedade.
Uma pesquisa realizada pela Infojobs, uma plataforma de oportunidades profissionais, revelou que 67% dos trabalhadores de todas as faixas etárias já sofreram com preconceito de idade. Segundo a Jurimetria Data Software, um programa de análise de dados jurídicos, em 2023, os processos em tramitação na Justiça do Trabalho com esse tema somavam mais de R$ 20 milhões em petições iniciais. E, conforme estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o etarismo é uma realidade em todo o mundo.
Exemplos de que idade não é um fim
“É besteira, você está muito velha”. Essa é a frase que dona Conceição Batista Alves, de 72 anos, ouviu quando disse que iria voltar a estudar. Porém, isto não foi uma barreira, ela voltou para a escola e está realizando o sonho pessoal de concluir os estudos, pois na infância o pai não permitiu, e na fase adulta também era difícil. Ela conta que voltou em 2019, quando se inscreveu no curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Estadual Princesa Izabel do Ensino Fundamental, em Paiçandu, no Paraná.
A estudante gosta de todas as disciplinas, entretanto, tem dificuldade em matemática, diz que já reprovou, porém, não desistiu e, em 2023, já tem formatura. Para ela, a experiência de voltar à escola é muito importante para a aprendizagem, os vínculos de amizades, além de ser bom para a mente. Os colegas de sala dizem que Conceição é um exemplo para todos. Como objetivo futuro, a aluna deseja fazer um curso de informática. Ela também incentiva os amigos da mesma faixa etária a voltar a estudar.
Na mesma escola da dona Conceição, Ana Maria Masson Moreira, uma estudante com deficiência, de 63 anos, apesar de enfrentar as limitações sociais impostas pela falta de acessibilidade, está dedicada na Educação de Jovens e Adultos. A idosa conta que a motivação para voltar à sala de aula foi a vontade de concluir os estudos, já que na infância teve problemas de saúde causados pela poliomielite, estava sempre no hospital e isso foi uma barreira para estudar. Ela diz que a experiência é animadora e faz bem para a mente e o corpo. Se identifica com as disciplinas de artes, ciências e geografia e o maior desafio é a mobilidade.
Ana diz que, no início, sentia vergonha pelo medo de não conseguir, mas que os colegas foram prestativos e pacientes e isso ajudou muito. Os familiares também ficaram felizes, apoiaram e incentivaram a volta aos estudos. Além de estar no último ano do ensino fundamental do EJA, estuda informática duas vezes por semana e participa do Conselho de Pessoas Idosas e Deficientes do município.
Animada, Ana Maria deixa um conselho: “voltem a estudar porque faz bem, não importa a idade”. Ela conta que tem como objetivo terminar dentro de 1 ano e meio o restante do EJA, fazer um curso Superior em Serviço Social e pretende se inscrever na Universidade da Terceira Idade da Universidade Estadual de Maringá (UNATI-UEM), cidade próxima à Paiçandu.

No mercado de trabalho elas são resistentes: “Nunca é tarde para começar”
O ano era 1996, quando aos seus 43 anos, Ivone de Lucca Peruchi, hoje com 70 anos, voltou a estudar para concluir o 2° grau pelo Centro de Estudos Supletivos (CES). Ela estudava em casa e realizava a prova na escola. Ivone conta que passou dificuldades financeiras e enfrentou a não aceitação por parte do marido. Para os que estão com dúvida se devem ou não iniciar um curso, faculdade ou um novo trabalho, ela diz: “Nunca é tarde para começar.”
Na época, Ivone já trabalhava na recepção de um posto de saúde, gostou da área, cursou Auxiliar de Enfermagem e, por fim, Técnico em Enfermagem. Prestou concurso para a Prefeitura de Maringá e trabalha até hoje na Urgência e Emergência Psiquiátrica no Hospital Municipal de Maringá. O maior objetivo para ela, agora, é a aposentadoria.
Já Maria Fatima de Oliveira Paes Leme, 66 anos, desempenha a função de Educadora para a Séries Iniciais na Escola Municipal Professor José Hiran Salleé, também em Maringá. A professora se aposentou em 2016, entretanto, decidiu voltar ao magistério, principalmente pela necessidade de complementar a renda, mas também pelo prazer de compartilhar o conhecimento e participar do desenvolvimento das crianças. Após 6 anos longe das salas de aula, encontrou alguns desafios, como a mudança ortográfica, a inserção do nono ano, as tecnologias, entre outros.

Maria Fatima prestou concurso e retomou as atividades como Educadora em 2022, no local de trabalho escuta frases como: “você poderia estar em casa descansando”. Para ela, não é intencional, porém se caracteriza como preconceito por já ser aposentada. Mas ela não desiste e, diante dos desafios impostos na nova fase de trabalho, Maria Fatima está se atualizando, realizando Pós-Graduação em Alfabetização com ênfase para Autismo, faz curso de informática, prestou recentemente outro concurso e espera ser chamada novamente para o cargo de professora na educação municipal. Seu projeto é trabalhar até os 75 anos. “Não vou ficar dentro de casa vendo a vida passar”, diz.
População idosa segue crescendo no país
Na década do envelhecimento saudável, o Brasil enfrenta um processo de envelhecimento populacional, conforme é apresentado no último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021. Dos mais de 203 milhões de habitantes, a parcela com 60 anos ou mais saltou de 11,3% para 14,7% da população, assim como a faixa dos 30 a 59 anos, que aumentou de 38,8% para 41,4% em relação à última coleta de dados, há dez anos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2021, divulgou uma projeção indicando a aceleração do envelhecimento dos brasileiros até 2100, e trouxe a proporção de idosos que, em 2010, era de 7,3% e pode chegar a 40,3% em 2100.

O avanço da medicina, aliado a práticas de atividade física e uma alimentação saudável, tem contribuído para que as pessoas vivam mais e com melhor qualidade de vida. Como resultado, os indivíduos dessa faixa etária buscam novas oportunidades, perseguem sonhos, retornam às escolas e faculdades e se reinserem no mercado de trabalho. Contudo, muitos deles encontram a barreira do preconceito simplesmente por não se encaixarem nos estereótipos de idade associados a determinados ambientes ou cargos. Com isso, a qualidade de vida é afetada. E as empresas podem fazer muito para ajudar nesse sentido.
Práticas que as empresas podem utilizar
Para a Revista Vozes, Rafaela Schon, diretora de pessoas do Grupo Prever Sul, respondeu como o assunto é tratado na empresa. “Entendemos que a idade não é um empecilho para seleção.” Ela diz que o processo de contratação se baseia na descrição de cargos e competências, com requisitos técnicos e comportamentais para a realização das atividades com foco no potencial das pessoas.
A diretora diz que existe um código de ética interno, divulgado por meio de treinamentos na universidade corporativa, para a promoção da diversidade com os colaboradores e lideranças. Essa é uma das ferramentas para abordagem sobre estereótipos negativos em pessoas mais velhas. Caso haja conflito entre gerações, analisam se feriu algum princípio do código e, então, são tomadas as medidas cabíveis.
Em relação aos desafios para promoção à diversidade etária, a empresa identificou, em alguns casos, a dificuldade com as novas tecnologias, por isso, a capacitação acontece por meio dos treinamentos e segue o planejamento do LNT (levantamento de necessidades de treinamentos), e o desempenho dos colaboradores é avaliado anualmente. Se necessário, realiza um plano de desenvolvimento individual. Ela cita que o programa de desenvolvimento de carreira engloba todas as idades.
Para Rafaela, a liderança tem um papel fundamental no sentido de incentivar a diversidade em suas equipes. Na organização não existe um programa formal que encoraja a colaboração e troca de conhecimentos entre gerações, entretanto, há reuniões de alinhamento de equipes e uma espécie de mapa, para guiar os líderes com relação à diversidade ao longo de um projeto.
A diretora conta que há previsão para implantar um Comitê de Diversidade visando despertar melhores práticas para a organização. “Entendo que a empresa precisa falar sobre o assunto, conscientizar colaboradores e líderes de que a diversidade é um fator estratégico nas organizações, a fim de buscar o trabalho em conjunto, desenvolvimento organizacional e melhores resultados para a instituição.” Rafaela lembra, ainda, que a empresa teve um colaborador com mais de 70 anos que era sempre muito procurado pelos clientes.
Com o olhar para a longevidade
Uma pesquisa feita pela Labora, uma plataforma de seleção focada em pessoas acima dos 50 anos, identificou que 70% das empresas contratam pouco ou nenhum profissional dessa faixa etária desde 2021. É imprescindível adotar práticas que chamem atenção para essa realidade em todos os setores. Em um Brasil que está envelhecendo, o governo, a sociedade civil, as instituições de ensino, as empresas, entre outros, precisam ter um olhar para a longevidade populacional e investir em estratégias para a diversidade geracional. Isso é importante para a produtividade e inovação, proporcionando a inserção de uma mão de obra distinta no ambiente educacional e profissional, contribuiu para que pessoas acima dos 50 anos retomem as atividades, sejam elas estudantis ou laborais.
Pensando nessa realidade, a OMS, o Alto Comissariado de Direitos Humanos, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas e o Fundo de População das Nações Unidas elaboraram o Relatório Mundial sobre o Idadismo, que faz parte da Agenda 2030 como norte para o desenvolvimento sustentável. O documento propõe três estratégias: políticas e leis, intervenções educacionais e intervenções de contato intergeracional; e três recomendações de ação: investir em estratégias com base científica para prevenir e combater o idadismo, melhorar os dados e as pesquisas para compreender melhor o idadismo e como reduzi-lo e construir um movimento para mudar o discurso em torno da idade e do envelhecimento.
Em 2023, ano que o Estatuto do Idoso completa 20 anos, muito ainda precisa ser feito para que ele seja, de fato, respeitado e a população que está envelhecendo seja vista, ouvida e atendida, como é direito fundamental. Essas pessoas têm muito a contribuir para a economia e a sociedade. Ao estudarem, produzirem e trabalharem em áreas de seu interesse e habilidade, elas podem se mostrar tão produtivas e rentáveis quanto qualquer outra faixa etária. Portanto, é fundamental combater o etarismo, valorizando a diversidade e reconhecendo a importância de aproveitar o potencial de todas as gerações.
Como a psicologia pode ajudar
A psicóloga Aline de Andrade Manganotti diz que esse tipo de preconceito afeta a saúde mental e emocional dos idosos. Falas e comportamentos produzem sentimento de incapacidade e desprezo, que afetam a autoestima e a autoconfiança. “Muitas pessoas praticam de forma inconsciente, não tendo o discernimento de que é um tipo de preconceito, reproduzindo falas e padrões sociais já estabelecidos”, explica. Por isso, procurar ajuda profissional pode ser um canal para auxiliar no reestabelecimento da sua saúde emocional.
A profissional diz que é importante que o idoso converse com os seus familiares, expondo o que sente quando é desrespeitado em suas vontades e invalidado em suas falas. “Em relação às famílias e cuidadores, são eles que irão auxiliar e incentivar o idoso a manter uma vida ativa”. Além disso, ter conhecimento do termo ajuda na compreensão da situação em sua volta, e buscar acompanhamento psicológico é fundamental para auxiliar a entender que, mesmo com as limitações que a idade traz, elas não podem ser motivo de qualquer tipo de preconceito.
Aline reforça que é importante manter a mente ativa à medida que vamos envelhecendo. Praticar atividade física, jogos, dança, rodas de conversa são ótimas sugestões para exercitar a mente. Manter-se ativo com o envelhecimento colabora para a manutenção da autoestima, autoconfiança, sentimento de pertencimento e valor e previne o declínio cognitivo, além de auxiliar a ter mais resiliência, criatividade e saúde mental.
Atendimento gratuito em Maringá e região
Em Maringá, existe a Secretaria de Assistência Social e Cidadania (Sasc) que disponibiliza serviços, programas e projetos para atender aos idosos regularmente. O Centro Dia de Apoio ao Idoso, Grupos de Convivência e, além desses, os Centros Esportivos e Centro da Juventude oferecem atividades gratuitas como hidroginástica, pilates, natação, ginástica, alongamento, entre outros. Há, também, a realização de serviço nas hortas comunitárias, um ótimo local para estabelecer vínculos, ter contato com a terra e, ainda, promover retorno à comunidade. E as universidades da cidade oferecem atendimento psicológico gratuito com os alunos do quinto ano de Psicologia, que realizam o estágio clínico.
A coordenadora de clínica e estágios em psicologia da Unicesumar, Flávia Cristina Busch Boregas, informa que a universidade trabalha com lista de espera e, a inclusão de novos pacientes pode acontecer presencialmente na secretaria da clínica ou via contato telefônico, nos números (44) 3309-2671 ou (44) 3027-6360 ramal: 2671. O horário de funcionamento é das 08h as 22h30 durante a semana e aos sábados das 08h as 12h. Podem ser atendidas crianças a partir de 3 anos, adolescentes, adultos e idosos. O atendimento é gratuito.
Já na Universidade Estadual de Maringá (UEM), existe o serviço da escola de psicologia que é a Unidade de Psicologia Aplicada (UPA), ligada ao Departamento de Psicologia da UEM. O serviço de atendimento é realizado por agendamento e segue uma demanda. Os alunos do quinto ano prestam o serviço sobre a orientação dos professores. “Estamos funcionando com uma escala de acolhimento como porta de entrada do serviço. São 4 a 5 sessões em que já é realizada uma intervenção que, por vezes, é suficiente. Se for um caso que exija mais tempo, isso é decidido pelo professor orientador e seu grupo de estágio”, diz a coordenadora Karolina Reis dos Santos Lukachaki. Os agendamentos são realizados por ligação ou mensagem no WhatsApp: (44)3011-9070.
Em outras localidades do país, a indicação é procurar o CRAS, Centro de Apoio ao Idoso ou UPAs que podem orientar e direcionar para locais que prestam atendimento psicológico gratuito.
Fica a dica
“Quantos dias. Quantas noites”, o novo documentário da Maria Farinha Filmes, traz um olhar sobre a longevidade, finitude e etarismo. Roberta Perri, responsável pela divulgação do produto, conta que o longa estreou no dia 12 de outubro 2023 nas seguintes praças, até o momento: São Paulo e Brasília (Itaú Cinemas), Rio de Janeiro (Estadão NET de Cinemas), Belo Horizonte (Una Belas Artes) e Salvador (Cine Metha Glauber Rocha). Todavia, dependendo de como caminhar, pode estar nas salas de cinema de todo o país, assim como entrar nas plataformas de streaming. Com depoimentos de especialistas, a obra “nos convida a enxergar as oportunidades e as desigualdades nesse tema, além da nossa própria conexão com o tempo e com a idade”.
Clique aqui para ver o trailer.
A obra completa também está disponível.
Saiba mais sobre esses tema no podcast:
*Sou Débora Correia, estudante de Jornalismo na Unicesumar. Formada em Tec. em Gestão de RH 2020, Tec. em Gestão Financeira 2012, Unicesumar. Teologia Básica 2018, IBADEP e em Docência dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental 2004, IEEM. Coordenadora de loja do Grupo Prever Sul.