Tocando a alma: música é poderosa reguladora emocional para saúde mental

Crianças, adolescentes e adultos utilizam a musicoterapia para ter melhor qualidade de vida.

Autora: Pietra Gomes*
Editora: Prof. Larissa Bezerra

A saúde mental estável é desejo constante das pessoas, mas com as dificuldades do cotidiano, pode ser difícil de ser alcançada, afetando a forma que os indivíduos se sentem, pensam e vivem. Uma das alternativas encontradas para tentar solucionar esse problema é chamada de musicoterapia. Esse método terapêutico merece destaque por utilizar os elementos musicais como ritmo, melodia, harmonia e letra para promover o bem-estar emocional e psicológico dos indivíduos.

Muitas vezes, os problemas começam a manifestar de maneira mais intensa durante a infância e juventude, podendo durar ao longo da vida. A rápida evolução da tecnologia e a constante proliferação de informações nas redes sociais são alguns dos fatores que podem contribuir para o aumento dos níveis de instabilidade emocional, exercendo uma profunda influência sobre as emoções da população, conforme dados compartilhados pela Universidade de Missouri, localizada nos Estados Unidos. Os resultados indicaram que pessoas deprimidas usam a internet de forma diferente das demais. Quanto mais deprimido, mais frequente é o uso de sites e aplicativos de compartilhamento de arquivos. Pessoas compulsivas usam com maior frequência os e-mails e fazem sucessivas contagens de mensagens, além de não conseguirem dormir sem o celular por perto e buscar por informações nos aparelhos assim que acordam.

Diante deste cenário, revela-se um aumento alarmante de distúrbios mentais que envolvem depressão e ansiedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência desses sintomas cresceu 25% no primeiro ano da pandemia de Covid-19, afetando atualmente cerca de 10% da população global, ou seja, 720 milhões de pessoas. Em relação à América Latina, o Brasil lidera as estatísticas com quase 19 milhões ansiosos e depressivos, condições que podem resultar até mesmo em casos de suicídio. Por isso, diversas alternativas estão sendo discutidas para ajudar nesses problemas, como é o caso da musicoterapia.

O que é a musicoterapia?
De acordo com um artigo publicado em 2018 no jornal O Globo, a utilização da música para a melhoria da qualidade de vida remonta a tempos antigos. O Rei Davi, por exemplo, usou uma harpa para auxiliar na recuperação da depressão do rei Saul. A prática perdurou ao longo da história, influenciando a Grécia Antiga e desempenhando papel significativo durante a Segunda Guerra Mundial, quando a musicoterapia foi aplicada aos soldados que sobreviveram ao conflito.

A musicoterapeuta Kenia Bianor, formada pelo Conservatório Brasileiro de Música desde 2009, com especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental, Análise do Comportamento Aplicada e Transtorno do Espectro Autista diz que a música pode ser usada em diversos contextos com finalidades distintas. “Pensando em um contexto de saúde e saúde mental, o ideal é que seja feita uma avaliação por um musicoterapeuta qualificado, para que a música seja utilizada de forma assertiva”, explica a profissional.

Bianor também informa que os tratamentos não se iniciam assim que o paciente a aborda, pois é necessário realizar a anamnese, o processo de coleta de informações sobre a história médica e clínica com o adulto ou com os responsáveis pelas crianças e adolescentes. Depois disso, uma avaliação é feita para organizar o plano de intervenção específico para cada paciente.

Pesquisadores da Queen’s University Belfast, em parceria com a Northern Ireland Music Therapy Trust, realizaram uma pesquisa entre março de 2011 e maio de 2014, sobre como a terapia com música reduz drasticamente a depressão em crianças e adolescentes com problemas de comportamento. Ao total, 251 crianças e adolescentes conseguiram melhorar a autoestima e tiveram a depressão reduzida. O estudo concluiu que a música melhorou as habilidades comunicativas e interativas em comparação com os que passaram apenas por terapias tradicionais.

“Está mais do que provado que uma criança que inicia a estimulação precoce, independente de qual for, tem um prognóstico melhor. Pensando em neurodesenvolvimento, a criança menor ainda não passou por todas as podas naturais, podendo auxiliar num melhor desenvolvimento quando necessário”, confirma a musicoterapeuta.

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Vídeo: reprodução/@keniabianor.musicoterapia

Ainda em relação ao impacto positivo da terapia em alguns pacientes, a especialista já presenciou diversos casos que a deixaram extremamente feliz. “Tenho crianças que iniciaram a vocalização e posteriormente a verbalização através da musicoterapia. Hoje, são vocais e algumas até já leem.”

Portanto, a musicoterapia pode ser benéfica para todas as faixas etárias. No entanto, as abordagens clínicas podem variar significativamente entre crianças, adolescentes, adultos e idosos, devido às necessidades individuais de cada um. É essencial que o profissional compreenda o paciente em sua totalidade, incluindo suas demandas específicas, preferências e requisitos, a fim de proporcionar um tratamento eficaz.

A força dos gêneros musicais
A conexão entre música e saúde mental é visível, mas ainda existem muitas pessoas que carregam esses sentimentos e não exploram o potencial o terapêutico ou sequer estão cientes da existência da musicoterapia como uma especialidade. Frequentemente, o público recorre a plataformas como Spotify, YouTube, Deezer e outros aplicativos, para ouvir suas músicas favoritas, buscando nelas uma fuga, um momento agradável.

Para Ricardo Pardal, professor de música, produtor musical, guitarrista e proprietário do estúdio de gravação e ensaio Luthieria PARDAL, os gêneros musicais têm efeitos distintos sobre o estado emocional das pessoas.

“Quando a gente tá tocando um lance mais pesadão como trash metal e heavy metal, as pessoas querem bater a cabeça e dançar, fazem aquelas danças do rock n’ roll, que parecem até uma briga. Já quando tocamos uma balada, às vezes traz uma coisa bem emotiva. O gênero da música, com certeza, vai influenciar. Quando toca o batidão, o funk, a galera quer dançar. No meu mundo, no qual eu vivo, o que tem mais impacto é o que está na moda como o funk e o rock.”

Tentando descobrir os gêneros musicais que mais deixam as pessoas felizes, o site OnBuy conduziu uma pesquisa em 2021. A avaliação, contou com 27 gêneros diferentes, analisou mais de 2 milhões de comentários no Reddit que continham palavras positivas e palavrões, para identificar quais fãs de música são os mais felizes e quais são os mais agressivos quando se trata de suas escolhas de palavras. O resultado mostrou que a cada 100 comentários, o Jazz teve 77 menções com palavras positivas. Ao total, foram 23.884 comentários postados pelos admiradores desse estilo, com uma marca impressionante de 18.439 palavras positivas.

Confira a lista completa a seguir:

Foto: reprodução/OnBuy/Reditt

Por isso, comprova-se que esses estilos trazem emoções diversas para os ouvintes e, de alguma forma, tem a força de fazer com que essas pessoas se divirtam e se sintam melhor consigo mesmas. É muito comum que esses usuários criem playlists com suas músicas favoritas para praticar atividade física, arrumar a casa, tomar banho, viajar, entre outras situações.

Para Pardal, os gêneros musicais alcançam emoções difíceis de expressar no cotidiano. “Às vezes, eu não consigo ser bom com as palavras, mas acho que já fiz as pessoas sorrirem e se emocionarem mais comigo tocando do que falando. Então, tenho certeza que a música alcança emoções que são difíceis de expressar no cotidiano. Provavelmente alguém ou você já escutou uma música sozinha no seu canto e chorou escutando, ela já te emocionou de alguma forma.”

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Vídeo: reprodução/@estudio_pardal

Benefícios ao aprender a tocar um instrumento
Dentro do vasto universo da música, a prática de aprender a tocar um instrumento também se torna uma experiência que proporciona benefícios, especialmente no que diz respeito à expressão emocional. Um estudo de pesquisadores da Universidade de Vermont analisou as tomografias de 232 crianças com idades entre 6 e 18 anos. Dessa forma, foi possível verificar que estudar música melhora as habilidades do cérebro na parte da memória, controle da atenção, organização e planejamento do futuro, sendo significativo para o controle das emoções.

De acordo com Piter Gomes, ex-guitarrista da banda de rock Venore, a experiência dele com a música começou aos sete anos, no curso de teclado e flauta. Já aos 13, começou a aprender violão. “Hoje tenho 33 anos, então, são 20 anos [de música] e, além de se tornar um hobby, ajuda no raciocínio lógico, a ocupar a mente, a entender como é a construção de uma música e faz pensar. No meu caso, além de só tocar, acabei desenvolvendo a capacidade de compor tanto música, quanto letra, e juntá-las, então isso foi bem legal.”

Foto: reprodução/@venoreoficial/Joanni Produções

Além disto, Piter relembra a época em que estava na banda e o intuito de todos os integrantes em ajudar as pessoas de alguma forma a partir do poder que a música tem de tocar na alma das pessoas. “Então nosso objetivo era compor algo que tocasse e, claro, que eu também gostasse, mas que de alguma forma as pessoas se identificassem com a música. O objetivo final era poder fazer com que as pessoas refletissem e pudessem escolher um caminho mais positivo, ou ajudar mentalmente nas escolhas, dando força.”

Harmonia e sintonia: a música é um pilar do bem-estar
De acordo com os dados divulgados pela Agência Pará, a musicoterapia tem demonstrado ser um componente crucial na recuperação de pacientes hospitalizados. Como evidenciado pelo Hospital Público Estadual Galileu (HPEG), em Belém, onde o Projeto Esperança, realizado em parceria com a equipe de Humanização do HPEG e uma empresa privada do ramo da saúde, ilustra o poder da música no ambiente médico. O projeto intitulado “Semana da Esperança”, mostra que a presença da música nesse ambiente ajuda os pacientes a se sentirem relaxados, confortáveis, alegres e com esperança de que tudo pode melhorar.

Conforme observado por Kenia Bianor, os profissionais de saúde mental e educadores tem muitos benefícios quando colaboram com um musicoterapeuta no tratamento das pessoas. “O trabalho multidisciplinar, independente da especialidade, é importantíssimo para o desenvolvimento da pessoa que está sendo atendida, além de fortalecer uma ajuda mútua entre os profissionais porque passam a falar a mesma língua e intervir de forma mais assertiva.”

Na opinião de Ricardo Pardal, a música se torna uma grande ferramenta de expressão emocional para pessoas que estão tristes e deprimidas. “Uma música traz alegria, pode arrancar um sorriso dessa pessoa e deixar o dia dela mais feliz. A letra da música pode falar de coisas positivas e levantar emocionalmente essa pessoa, ou então ela está querendo descarregar aquela energia com uma música mais agressiva e dança, pula, se diverte, enfim, ela libera energia e relaxa. Então a música é de grande importância.”

*Sou a Pietra Gomes, carioca de 23 anos e estudante de jornalismo que ama escrever, ler, escutar música e assistir séries. As áreas da comunicação que mais gosto são as de entretenimento, literatura, cultura, astronomia, entre diversas outras com as quais que me sinto bem em me envolver e aprender. Além de participar da Revista Vozes, também sou bolsista de Iniciação Científica da UniCesumar.

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