Sete municípios catarinenses são responsáveis pela maior parte da produção de cebola do Mercosul

Safra da hortaliça em 2022/2023 quebra recordes de produção, vendas e tecnologia, ultrapassando 550 mil toneladas colhidas em Santa Catarina.

Autora: Berta Thiesen*
Editora: Prof. Larissa Bezerra

Há quase 50 anos, o pequeno produtor levava cerca de dois meses para semear dois hectares de cebola. Atualmente, esse volume pode ser semeado em um dia. A evolução de tecnologias, qualidade e mercado da hortaliça no Brasil gera uma expansão de cultivo e safra recorde, ultrapassando a marca de 550 mil toneladas colhidas em Santa Catarina.

O método de produção de cebola no território brasileiro varia a cada região, levando em consideração as condições de produção, como clima, relevo, tradição e mão de obra. Na metade do ano de 2023, a safra plantada em 2022, em Santa Catarina, segue em processo de comercialização, caso raro registrado em decorrência do recorde na produtividade e no aproveitamento de 470 mil toneladas daquilo que foi armazenado para a venda escalonada. Ou seja, de toda a produção, mais de 85% foi vendido.

A microrregião da cebola, como são conhecidos os sete municípios nos arredores de Ituporanga, a Capital Nacional da Cebola, conta com as estações bem definidas, de invernos úmidos e chuvosos, e verões quentes e secos, ocasionando períodos de estiagem.

Em análise geral, a região não é propícia para o plantio de uma hortaliça como a cebola, mas os números registrados provam uma superação no volume produzido. Daniel Schmidt, responsável pelo projeto de extensão rural e coordenador do projeto específico da cebola pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) comenta: “A microrregião da cebola, têm em torno de 14 mil hectares de terra e é a maior produtora de cebolas do Mercosul. Ituporanga e os arredores cultivam 75% do volume de cebola catarinense, o restante é plantado no planalto e em outros municípios.”

Quanto às principais peculiaridades das variedades da hortaliça, Schmidt ressalta que, por conta do frio sulista no início do desenvolvimento, as variedades são mais firmes, com casca de coloração de pinhão e sabor pungente e picante.

O plantio também é feito de maneira diferente do que é comum em outras regiões, pois há o transplante. Plantam-se as sementes em um terreno, depois, quando já são mudinhas, são transferidas para o local definitivo onde irão crescer.

Plantio de cebola em SC. Foto: arquivo pessoal

A estação experimental da Epagri de Ituporanga, possui cerca de 40 anos de atuação na área e é responsável pelo desenvolvimento de cultivares, ou seja, variedades de sementes que geram hortaliças com diferentes características, além da tecnologia, o que faz com que o estado seja o maior produtor nacional, atendendo todo o sul do Brasil. De todas as cebolas produzidas na região, de 70 a 80% são variedades desenvolvidas em Santa Catarina.

Outro diferencial é o auxílio ao produtor, apresentando oportunidades e levando as demandas do campo para criação de políticas públicas, com postos de atendimento em todos os municípios.

As condições de armazenamento se tornam vantagem estratégica de Santa Catarina, pois geram venda escalonada. “Colhe-se em novembro, dezembro, e a venda segue até início de julho. Os preços ficam mais elevados com esse tipo de venda. No Nordeste, por exemplo, a cebola é mais clara e tem mais água, por isso, não pode ser armazenada por mais de 30 dias.”

Santa Catarina, ao todo, cultiva de 17,5 a 18 mil hectares. Em anos normais, sem muitas perdas, a produção total é de 530 a 540 mil toneladas. A comercialização pode ser feita ao longo de seis meses, de novembro a maio. Isso representa de 30 até 35% do que é plantado da hortaliça no Brasil. A oferta pode chegar a 460 mil toneladas por ano, mesmo considerando a perda pós-colheita durante o armazenamento.

Ao longo da safra que começou a ser preparada em junho deste ano, a expectativa é de que 33 toneladas sejam colhidas por hectare. Em outros locais do Brasil, com mais luminosidade e clima mais seco, a quantidade média de toneladas colhidas é até 70 toneladas por hectare. Ainda assim, o Sul tem o espaço de vendas mais ampliado por conta das tecnologias para venda escalonada.

Entre os principais desafios por conta das condições climáticas, está o alto investimento em prevenção e tratamento de doenças. Além disso, os dias são mais curtos e há muita neblina na região, o que limita a produtividade. “Alguns produtores isolados já conseguem mais de 40 toneladas por hectare, mas é raro”, diz Daniel Schmidt.

Ao ser questionado sobre o que leva os agricultores da região a seguirem no cultivo, mesmo com as dificuldades, Schmidt diz que é a tradição. “Os nossos produtores estão há muitos anos cultivando cebolas, já é algo que se passa de pai para filho. Veio pra cá com os colonizadores açorianos e alemães. Tem a questão da tecnologia também, que é adaptada. Nós não dependemos de importar tecnologia de outra região, de maneira geral. Isso faz com que a produtividade aumente todos os anos.”

Quem cultiva
Almir Schefer, conhecido como Titi, morador do bairro Bela Vista, no interior do município de Ituporanga é um claro exemplo dessa tradição citada por Schmidt. Ele trabalha com o plantio de cebola desde que tinha aproximadamente 10 anos. Ao todo, são mais de 47 anos no cultivo. Almir relembra com carinho de quem o apresentou ao cultivo. “Comecei com meu pai. Ele faleceu muito cedo, só tinha 48 anos. Eu tinha 15. Continuei plantando com meu irmão, depois casei e continuei plantando cebola. É claro que lá no começo era semeado apenas um quilo de semente. Hoje eu semeio 80 quilos.”

A quantidade plantada foi aumentando ao longo dos anos de casamento com Eliani Hoffmann Schafer, assim como aumentou a família. Vieram os três filhos e, recentemente, uma netinha para alegrar ainda mais os dias da casa e dar força de vontade para que Almir continue. Com o passar dos anos, a evolução da tecnologia e uma boa administração agrícola, Almir conta que, atualmente, ele mesmo é quem classifica, ou seja, escolhe as melhores e as prepara para a comercialização.

Almir e família. Foto: arquivo pessoal

“Muita coisa mudou de lá pra cá. Lá no começo vendia cebola à réstia, que é uma trança de palha que segura as cebolas. Depois, foi na palha, e hoje faz três anos que tenho minha própria máquina de classificar cebola, então eu mesmo a classifico e já vendo pronta.”

Mesmo com o alto volume plantado e com a contratação de funcionários, Almir ainda mantém raízes na agricultura familiar. “Hoje tem meu genro e meu filho que ajudam. As filhas têm comércio na cidade, mas meu outro genro também é cebolicultor.”

Mas além da tradição, os agricultores enfrentam muitos desafios. Entre eles, Almir cita os custos, a cobrança e o clima do Alto Vale. Na agricultura local, em geral, essas são as principais dificuldades.

Lavoura de Almir. Foto: arquivo pessoal

Apoio ao Cultivo
Há várias frentes de apoio à agricultura, como a Associação dos Produtores de Cebola de Santa Catarina (Aprocesc), que tem a função de levar as demandas de interesse do setor aos órgãos públicos, além de promover a interação entre produtores, fazendo com que a cadeia produtiva esteja sempre ativa. Os principais trabalhos da Aprocesc são a busca por políticas públicas para produtores.

Além disso, um projeto de identificação geográfica na microrregião de Ituporanga está em andamento há cerca de um ano e meio. O processo é demorado, mas trará benefícios aos produtores, como a certificação do local de origem do plantio. Também o zoneamento agrícola de risco climático para cebola em Santa Catarina está em processo avançado de tramitação. A ideia é novidade no Brasil. A expectativa é que, na próxima safra, este zoneamento esteja homologado pelo Ministério de Agricultura por meio de portaria. O projeto facilita o acesso ao custeio rural por políticas públicas e aumenta a cobertura e eficiência de seguros.

Uma empresa a céu aberto, como é a lavoura, exige cuidados na hora de administrar finanças, afinal, o dinheiro só entra na conta do produtor rural poucas vezes ao ano, mas os custos são constantes e elevados. Defensivos agrícolas, irrigação, maquinário, manutenção, funcionários, adubação, preparação da terra, correção para o desgaste do solo, combustível e alimentação estão entre os principais investimentos durante as fases do plantio. O Observatório do Agronegócio de Santa Catarina, desenvolvido pela Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural (SAR), traz dados de programas que ajudam no financiamento e custeio. O Sul foi o maior utilizador do Pronaf no período entre junho de 2022 e junho de 2023, com um valor de mais de 31,6 bilhões de reais investidos. Já o Programa Terra Boa, do governo do estado, usa de uma metodologia parecida para beneficiar os produtores com insumos.

Os Trabalhadores
Boa parte da mão de obra para o plantio e colheita da cebola é oriunda dos estados do Norte e Nordeste brasileiro. Para a contratação dessas pessoas, é necessária uma atenção às leis trabalhistas específicas para a área rural.  Além disso, os envolvidos na cadeia produtiva precisam ficar atentos aos impostos de serviço, de terras, equipamentos e insumos, pois previdência social e políticas públicas, por exemplo, precisam desses recursos.

Para ajudar a levar as reivindicações de direitos nas mais variadas áreas e prestar apoio e orientação no âmbito municipal, existem os Sindicatos dos Produtores Rurais.  Segundo o advogado do Sindicato de Ituporanga, Pedro Damann, a cidade tem, hoje, 883 famílias ativas filiadas ao sindicato e a maioria dessas famílias produz cebola, fumo, grãos e são criadoras de suínos, gado leiteiro e de corte.

As orientações do sindicato passam pelos setores de contratação de mão de obra, cadastramentos e declarações de impostos, encaminhamento de benefícios previdenciários, sem esquecer a ponte com a Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Outra importante função do sindicato é a parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que realiza cursos e treinamentos para os agricultores de forma gratuita.

Em 2022, cerca de 100 treinamentos foram realizados em Ituporanga, ensinando métodos de cultura alternativa, atualizações sobre nota fiscal eletrônica, gerenciamento de propriedade, segurança do trabalho no campo e outros assuntos. Os programas de Assistência Técnica e Gerencial também ajudaram moradores de quatro municípios, pecuaristas de leite, a terem mais produtividade.

O produtor rural Almir Schefer disse que a mão de obra entre a família é bastante tradicional nas propriedades rurais e foi assim que tudo começou. Mas, com o volume de produção nos dias de hoje, em torno de 40 pessoas já se fazem necessárias para cobrir a demanda dele. Almir comenta que o aumento da produção levava a troca de dia de serviço com os vizinhos. Depois, por vários anos, buscavam-se pessoas nos bairros da cidade. Nos últimos dez anos, parou de contratar mão de obra local, trazendo moradores do Pernambuco e, mais recente, de Alagoas. A moradia para estes trabalhadores é fornecida pelo próprio produtor e todos são registrados. “Tudo isso tem um custo, mas temos que seguir, quem não for nesse ritmo, fica para trás” finaliza Almir.

Pedro Damann, do Sindicato, associa a busca de mão de obra em outros estados ao desenvolvimento de indústrias da região e o êxodo rural dos mais jovens, que querem morar nos centros urbanos. “A mão de obra em Ituporanga ficou escassa e, como a oferta desses serviços dos estados nordestinos é comum aqui no Alto Vale, tanto para o campo quanto para as indústrias, os produtores contratam”, diz. A legislação de contratações do campo é a mesma da contratação urbana, porém com algumas peculiaridades da atividade, que estão previstas na CLT e Normas Regulamentadoras.

O Meio Ambiente
Outra questão importante para a sociedade é o meio ambiente e os cuidados com o uso da água e do solo durante o cultivo da hortaliça, já que os produtores não conseguem armazenar muita água para irrigação. Os depósitos não podem ser construídos em Áreas de Preservação Permanente (APPs), o que deixa o processo mais caro, mas é primordial.

O solo também precisa de atenção, pois a movimentação é grande, inclusive com o uso de grades rotativas, o que deixa a terra mais solta e pode gerar erosão com grandes volumes de chuva. Essa terra escorre para os rios, o que também gera o assoreamento, ou seja, águas mais escuras e contaminadas com eventuais produtos utilizados no plantio. Os estudos mais recentes querem desenvolver tecnologias para o Sistema de Plantio Direto de Hortaliças (SPDH), para diminuir o revolvimento do solo e aumentar a cobertura, que segura a terra no lugar.

Daniel Schmidt, a partir de seus estudos, comenta que trabalhar com mais cobertura é a evolução que a agricultura da hortaliça precisa. Mas isso é um pouco mais difícil porque o estado não tem muitas áreas para alternar e os cultivos de cebola geralmente são feitos após o cultivo de grãos, por conta da rentabilidade. Assim, o abandono do cultivo de soja, milho ou outro grão para substituir por adubação verde ou de cobertura, ajudaria muito na conservação do solo e, consequentemente, da água, mas não é uma alternativa viável financeiramente.

Seminário Nacional da Cebola
A 33ª edição do Seminário Nacional da Cebola (Senace), realizada em 2023, aconteceu em Aurora, no Alto Vale do Itajaí. O evento deste ano foi em conjunto com o 24º Seminário da Cebola do Mercosul entre 31 de maio e 02 de junho e reuniu lideranças, produtores e pesquisadores da hortaliça de várias áreas do mundo para palestras, troca de experiências, seminários, visitas a campo, apresentação de novidades tecnológicas, manejo, serviços e produtos voltados à eficiência da produção.

A Associação Nacional dos Produtores de Cebola (Anace), em parceria com a administração do município e a Associação dos Produtores de Cebola de Santa Catarina (Aprocesc), visitaram a propriedade de Almir Schefer. O presidente da Anace e da Associação Nacional dos Produtores de Alho (Anapa), Rafael Corsino, acompanhado de uma comitiva, conheceu o sistema de plantio do Alto Vale, armazenamento e maquinários.

Jelson Gesser, vereador pelo município de Aurora-SC, presidente da Associação dos Produtores de Cebola de Santa Catarina (Aprocesc) e vice-presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cebola (Anace), comenta: “o último ano deixou a desejar em questões de preços para os agricultores. A safra passada começou com o preço alto e depois, infelizmente, caiu. Quem comercializou no fim da safra não teve uma remuneração satisfatória para a cebola que foi armazenada.”  A preocupação para a safra produzida entre os anos de2023 e 2024 são as condições meteorológicas, com o El Niño e previsão de alto volume de chuva.

Durante o Senace, os agricultores e representantes da comunidade tiveram acesso a números da produção e oferta no Brasil e no Mercosul. A projeção para 2024 é de que 1,5 milhão de toneladas sejam ofertadas no Mercosul. O número é maior do que o da última safra.

Expectativa para a próxima safra é de boa produção. Foto: arquivo pessoal

Para Daniel Schmidt, representante da Epagri, entre os destaques do Seminário estão a pulverização com drone, que já é uma realidade e vai evoluir. Essa tecnologia tem potencial por conta do tempo chuvoso, que dificulta a entrada de tratores nas roças e o drone é mais preciso nas gotas.

Outras questões trazidas têm relação com o combate de doenças na planta e um cultivo mais natural, sem tanta utilização de defensivos agrícolas e pesticidas, com mais controle biológico.

Com as apresentações do Seminário e análise do mercado, Schmidt faz um apelo. “A questão comercial mostra uma produção estabilizada no país, porém, com projeção de diminuição porque a demanda está caindo. Pode ser que as novas gerações não consumam tanta cebola assim. Tem de ser feito uma campanha sobre isso, falando sobre as vantagens nutricionais da hortaliça para a saúde.”

Em 2023, o agronegócio injetará cerca de R$1,2 trilhão na economia brasileira. Este valor é o maior em 34 anos, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária. O futuro do campo no Brasil é cada vez mais tecnológico, sem perder as raízes da tradição, cada região com o seu diferencial e história. É o equilíbrio entre o passado e o futuro, que faz com que o presente seja próspero e recordista, assim como a cultura de cebola, que segue fazendo história.

Cebolas plantadas em SC. Foto: arquivo pessoal

* Berta Thiesen, 22 anos, comunicadora e repórter na rede Jovem Pan. Leitora assídua, amante de música antiga, sorvete e noites viradas. Integrante da Sonserina, em Hogwarts. Nunca teve dúvidas de que jornalismo seria seu destino. Sonhadora até que se prove o contrário, seguindo a filosofia de ser uma metamorfose ambulante.

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